segunda-feira, 21 de julho de 2014

A Senhoria – Fiódor Dostoiévski

A novela combina o drama sentimentalista com o devaneio fantasmagórico.
Vassíli Ordínov, personagem central da trama, navega entre a realidade trivial e a paixão alucinada pela jovem Katierina, que vive um relacionamento enigmático com um velho que apoderava-se de mandingas, livros e citações para mantê-la insegura e dependente.
Em uma igreja, Ordínov avista a bela Katierina e se ver atraído por ela. Sai à procura de um local para se hospedar e depara-se com o velho misterioso que termina por lhe alugar um dos cômodos da casa. A partir daí a novela impõe uma trilogia: um velho astuto, um jovem apaixonado e uma mulher insegura dividindo um ambiente incestuoso e sombrio.
A disputa por Katierina adquire um contexto filosófico aprofundado em consequências psicológicas que remete Ordínov à infância, tendo como parte das lembranças o velho camponês Múrin, seu opositor na disputa por Katierina.

O texto, escrito quando o autor tinha vinte e seis anos, é curto e melancólico, sinaliza aos seus apreciadores o acervo conflituoso das demais obras. Assim é Dostoiévski, transfere para o leitor as suas inquietações e o deixa entender que o passado e futuro, a exemplo da história vivida por Ordínov, é nada mais que o presente.

Informações sobre o autor – Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski nasceu em Moscou, em 1821. Cursou engenharia e estreou na literatura em 1845. Foi condenado à morte em 1849, por envolvimento com política liberal. Minutos antes do fuzilamento, sua pena foi modificada por um período de exílio na Sibéria. Morreu em São Petersburgo, em 1881. É autor de Crime e Castigo, Irmãos Karamázov, O Jogador, Notas de Subsolo, O Eterno Marido, Noites Brancas, O Crocodilo, Uma história lamentável, O Duplo, e Recordações da Casa dos Mortos. É considerado o mais importante romancista russo. () 

Referência bibliográfica
Dostoiévski, Fiódor, 1821-1881.
A senhoria: novela petersburguense / Fiódor Dostoiéviski; tradução, posfácio e notas de Fátima Bianchi; gravuras de Paulo Camillo Pena. 2. São Paulo: Ed. 34, 2006.
144 p. (Coleção Leste)
ISBN 978-85-7326-355-8
Tradução de: Khoziáik
1. Literatura russa. I. Bianchi, Fátima. II. Pen Paulo Camilo. III. Título. IV. Série.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O Silêncio das Montanhas – Khaled Hosseini

A fábula contada pelo pai dos órfãos Abdullah e Pari tem a aldeia de Maidan Sabz como cenário da vida de devs, jinis e gigantes que perambulavam por terras de um fazendeiro chamado Baba Ayub. Um dev submete um pai a escolher um dos filhos para entrega-lo em troca da sobrevivência. A decisão da escolha acarretou sofrimentos, perdas, benefícios e recompensas.
Ao passar do tempo, a fábula se transforma em realidade e o pai de Abdullah e Pari é submetido a conflitos por ceder a filha em troca de recompensa financeira. A decisão acarretou consequências imprevisíveis e irreparáveis na vida e dos irmãos.  
O patrão do motorista, Nabi, casa-se com a poeta Nila Wahdati que descobre o interesse do marido, homossexual, por ele. Nila desperta a admiração de Nabi e ao conhecer a sua história o convence a leva-la à aldeia onde morava o pai de Pari. Convencido por Nila, o pai da garota abdica-se da filha em troca de recompensa financeira. Consumado o fato, Nila e Pari vão morar em Paris e deixa o marido, moribundo, aos cuidados do motorista, em Cabul.
Nila, filha de um afegão com uma francesa, embarca no mundo da intelectualidade e experimenta um relacionamento que interfere no convívio com a garota.

A história contada em vários cenários e por diversos personagens culmina com a morte de Nila que termina por revelar a verdadeira origem de Pari. De volta ao Afeganistão, a já adulta Pari, reencontra o irão e toma consciência das perdas acarretadas pela realidade sociopolítica do país e das consequências desastrosas do fato.
Fora do tema central que move a narrativa outros fatos são contextualizados referentes às perdas e dificuldades para recuperação da autoestima:
“Muitos anos depois, quando comecei a estudar para ser cirurgião plástico, entendi uma coisa que não sabia naquele dia na cozinha, enquanto argumentava para que Thalia saísse de Tinos e fosse para o internato. Aprendi que o mundo não via o seu interior, não se importava com as esperanças, os sonhos e as tristezas que pudessem existir sob a pele e os ossos. Era simples assim, absurdo e cruel. Meus pacientes sabiam disso. Percebiam que muito do que eram, do que seriam ou poderiam ser girava em torno da simetria de suas estruturas ósseas, do espaço entre os olhos, do tamanho do queixo, da projeção da ponta do nariz, se tinham ou não o melhor ângulo frontal.
A beleza é uma dádiva imensa e imerecida, distribuída aleatória e estupidamente. ”

“Minha proposta para Thalia continua valendo até hoje. Sei que ela não vai aceitar. Mas agora eu entendo. Porque ela tem razão, isso é quem ela é. Não posso pretender saber como deve ter sido olhar para aquele rosto no espelho todos os dias, fazer um levantamento da horrível ruína, reunir vontade para aceitar. A força gigantesca necessária, o esforço, a paciência. A aceitação tomando forma lentamente, ao longo dos anos, como rochas num penhasco na beira do mar, esculpidas pelas ondas que batem. Foram minutos para o cachorro dar a Thalia aquele rosto, e toda uma vida para transformá-lo numa identidade. Ela não me deixaria desfazer tudo isso com meu bisturi. Seria como infligir um novo ferimento sobre o antigo. ”

O que move as pessoas na busca por mudanças não é o que querem, mas, o que não querem, afirma o autor...
“— É uma coisa engraçada, Markos, mas normalmente as pessoas veem a coisa ao contrário. Elas pensam que vivemos pelo que queremos. Mas o que as conduz é o que elas temem. O que elas não querem. ”

Em várias oportunidades e por motivos diversos o ser humano é submetido a situações parecidas com a da fábula. Mães e pais, obrigados ou por opção, se afastam dos filhos e/ou os apartam dos irmãos. As consequências são as mais diversas. Certamente, cada um de nós já ouviu contar situações parecidas.
O Silêncio das Montanhas é rico no campo das relações humanas e impõe escolhas e decisões que interferem na vida e bem-estar das pessoas. Não bastasse a importância do tema o autor usa uma narrativa que mantem o leitor zelado.
  
Informações sobre o autor - Khaled Hosseini é médico nascido em Cabul capital do Afeganistão, com naturalização estadunidense. Sua mãe era professora e o seu pai trabalhou no Ministério do Exterior afegão. Em 1976 mudou-se com a família para Paris por conta do emprego do seu pai. Enquanto estavam em Paris, os comunistas assumiram o poder. Formou-se em medicina na Universidade da Califórnia em San Diego, Estados Unidos. Escreveu além do Caçador de Pipas, A Cidade do Sol e O Silêncio das Montanhas

Referência bibliográfica
Hosseini, Khaled
O Silêncio das Montanhas: romance / Khaled Hosseini. - São Paulo: Editora Globo S.A., 2013.
eISBN: 9780986939754.
Título original: And the montains echoed.
Tradução: Claudio Carina.

Apresentação: Livro digital.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A Travessia de Caleb – Geraldine Brooks


A história começa em uma reservada comunidade inglesa na ilha Great Harbor e traz para discussão a influência calvinista e o choque entre culturas. O excesso e apego aos ensinamentos bíblicos, atrelado à repulsa aos prazeres da vida e a crença na predestinação social e religiosa, tornou a vida da jovem Bethia Mayfield um verdadeiro inferno.
Não bastasse o rigor religioso do pai, que recorria à vontade divina para justificar as agruras sofridas pela família, a jovem e talentosa Bethia foi privada da oportunidade de acesso às informações que pudessem balizar as suas escolhas. Aliás, escolhas era o que menos a jovem podia fazer.
A vida lhe reservou uma oportunidade que terminou alterando o curso dos acontecimentos. Em uma das suas caminhadas conheceu Caleb, filho de um líder tribal, habitante da ilha.  Daí, Bethia encontra na relação a naturalidade, desprovida de conceitos arcaicos e restritivos. As exigências sociais e religiosas tomam outra roupagem, ao perceber os valores atribuídos à natureza pelos nativos. Caleb desperta interesse, contudo, devido à pouca idade e à imposição cultural Bethia mantem-se confusa por muitos e muitos anos.
Sacrificada pelo pai após a morte de sua mãe, pelo irmão e avô após a morte do seu pai, Bethia torna-se serviçal em uma escola preparatória para possibilitar o ingresso do irmão e de Caleb em Harvard. Começa outra fase da história que dá outro curso à vida de Bethia.
Ao final, a narrativa traz surpresas e dá ênfase aos conflitos psicológico imputados por excesso de rigor religioso e opressão social. Leva à reflexão sobre como seria a história se alguns fatos não tivessem acorridos.

“Será sempre assim, no fim das coisas? Será que alguma mulher é capaz de contar os grãos de sua colheita e dizer: foi o suficiente? Ou será que sempre pensamos no que mais poderíamos ter vivido se o trabalho houvesse sido mais árduo, a ambição mais vasta, as escolhas mais sábias? Continuo a ler e me pego sorrindo para a jovem cheia de vigor, sua coragem, sua insensatez e seus muitos medos.”

O texto impõe à reflexão sobre o acaso:
“Se eu tivesse me afastado daquele menino à beira da lagoa, montado em Pintada e cavalgado de volta para o meu mundo, deixando-o em paz com seus deuses e espíritos, teria sido melhor? Ele ainda estaria vivo, agora como um senhor idoso, patriarca de uma família, líder de sua tribo? Talvez. Não tenho como saber.”
O livro possui uma linguagem direta, acessível e lógica. Mostra um história preconceituosa e intervencionista que desrespeita crenças e culturas a exemplo do que ocorreu em muitas das colonizações.

Informações sobre a autora – Geraldine Brooks é escritora e jornalista. Cresceu nos subúrbios ocidentais de Sydney. Trabalhou como repórter para o jornal Sydney Morning Herald e para o The Wall Street Journal, onde cobriu as crises no Oriente Médio, África e Balcãs. Escreveu Senhor March, Ano de Maravilhas, Ano de Milagres e As Memórias do Livro. Recebeu o Prêmio Pulitzer de ficção em 2006.

Referência bibliográfica
Brooks, Geraldine,1955.
A Travessia de Caleb: A luta de um homem para não se perder entre culturas / Geraldine Brooks; tradução Diego Alfaro. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
392p.: 23 cm
Tradução de: Caleb’s crossing
ISBN 978-85-209-2957-5
1.Cheeshahteaumuck, Caleb, 1646-1666 – Ficção. 2. Ficção histórica. 3. Ficção australiana. I. Alfaro, Diego. II. Título.

domingo, 16 de dezembro de 2012

O Duplo – Fiódor Dostoiévski


A narrativa imprime contradições da consciência humana e tem como protagonista o funcionário público Golyádikin. O isolamento provocado pelo distanciamento social produz sentimento de solidão, característico de pessoa que necessita ser aceita como parte de uma sociedade que não a vê de forma igualitária.
O texto, ao revelar os diálogos entre Golyádikin e Golyádikin segundo, se apresenta truncado, indicando a alteração da consciência do protagonista. Para facilitar este entendimento, logo no início da história, o autor conduz o protagonista ao consultório do seu médico, para indicar a existência de anormalidade na personalidade.
Golyádikin tentava, a todo custo, ser aceito em determinada classe social de uma Rússia Czarista, e, por não conseguir, terminou por criar o seu duplo como forma de projetar suas expectativas. Esta fantasia imprimiu diálogos desconexos e desencontrados com a realidade dos fatos. Adentrou, sem ser convidado, na casa do chefe durante uma festa e terminou sendo convidado a se retirar.
“O senhor Golyádikin reconhecera por completo seu amigo noturno. O amigo noturno era ele mesmo – o próprio senhor Golyádikin, outro senhor Golyádikin, mas absolutamente igual a ele, era, em suma, aquilo que se chama o seu duplo, em todos os sentidos...”
“(...) até o próprio senhor Golyádikin estaria disposto a considerar tudo isso um delírio quimérico, uma fugaz perturbação mental, um eclipse da mente (...)”
O duplo escreveu ao senhor Golyádikin: “Se te esqueceres de mim não me esquecerei de ti; tudo é possível na vida, não te esqueças tu de mim!” referindo-se a elevação da autoestima, já que quem falava era o próprio Golyádikin.

Um homem dialoga com ele mesmo e mostra o quanto o isolamento social traz consequências para a sua vida. Idealiza que a filha do chefe quer fugir com ele e se coloca à disposição deste interesse fictício. Enquanto projeta o encontro decide impor uma moral descabida.

O texto é riquíssimo, não só pela textura da linguagem, mas, também, por falar de sentimentos do próprio autor.

Informações sobre o autor – Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski nasceu em Moscou, em 1821. Cursou engenharia e estreou na literatura em 1845. Foi condenado à morte em 1849, por envolvimento com política liberal. Minutos antes do fuzilamento, sua pena foi modificada por um período de exílio na Sibéria. Morreu em São Petersburgo, em 1881. É autor de Crime e Castigo, Irmãos Karamázov, O Jogador, Notas de Subsolo, O Eterno Marido, Noites Brancas, O Crocodilo, Uma história lamentável, O Duplo, e Recordações da Casa dos Mortos. É considerado o mais importante romancista russo. () 

Referência bibliográfica
Dostoiévski, Fiódor, 1821-1881.
O duplo: poema petersburguense / Fiódor Dostoiéviski; tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; desenhos de Alfred Kubin. Texto sobre Kubin de Samuel Titan Jr. 2. São Paulo: Ed. 34, 2011.
256 p. (Coleção Leste)
ISBN 978-85-7326-472-2
Tradução de Dvoinik
1. Literatura russa. I. Bezerra, Paulo. II. Kubin, Alfred. Título. III. Titan Jr., Samuel. IV. Título. V. Série.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O Eterno Marido - Fiódor Dostoiévski


O desconfiado, hipocondríaco e lamuriento Vieltchâninov padecia de insônia e, frequentemente, tinha sonhos muito estranhos. Ocupava-se na busca de uma solução para a conclusão de um processo que lhe daria a posse de uma propriedade. Deparou-se algumas vezes com Páviel Pávlovitch Trussótzki e percebeu que havia muita coincidência nos encontros, contudo, não conseguia lembrar-se de onde conhecia o seu seguidor que, estranhamente, portava um crepe no chapéu. Certa feita, Páviel vai à casa de Vieltchâninov e se identifica como viúvo de Natália Vassílievna e o informa da existência de Lisa, filha de Natália.
Tudo teria sido natural se, no passado, não tivesse havido um relacionamento amoroso entre Vieltchâninov e a atraente e dominadora Natália Vassílievna.
Lisa morre, dez dias após conhecer Vieltchâninov, e, só após sua morte, Páviel revela a Vieltchâninov que ela era sua filha. A revelação causou enorme descontentamento não só devido ao fato de não ter convivido com Lisa, mas, também, por perceber que a atitude de Páviel demonstrava vingança por ter sido traído.
Páviel tenta um relacionamento com Nadiejda e pede a Vieltchâninov que o acompanhe à casa da pretendente para formalizar o compromisso. Logo após são surpreendidos com um pedido do jovem Alexander Lobov para “limpar o campo” já que a Nadiejda era sua amada. Páviel se nega a desistir de Nadiejda e ouve do jovem a seguinte frase: “O senhor é como um cachorro sobre um monte de feno; não aproveita e não deixa que os outros aproveitem”.

Dostoiévski insere o amor nas relações pessoais em uma época que os matrimônios eram regidos por interesses familiares e patrimoniais. Fala do desejo sexual sem prudência com a moral, exigida à época.
O titulo do livro, o eterno marido, refere-se à citação usual feita a homens que toleram traição das esposas.  Jorge Amado, possivelmente, o titularia como “o corno manso”.
Enfim, a abordagem deixa a indagação sobre a possibilidade da união entre pessoas capazes de suportar/atrair parceiros que resistem as características típicas deste padrão de relacionamento.

Informações sobre o autor – Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski nasceu em Moscou, em 1821. Cursou engenharia e estreou na literatura em 1845. Foi condenado à morte em 1849, por envolvimento com política liberal. Minutos antes do fuzilamento, sua pena foi modificada por um período de exílio na Sibéria. Morreu em São Petersburgo, em 1881. É autor de Crime e Castigo, Irmãos Karamázov, O Jogador, Notas de Subsolo, O Eterno Marido, Noites Brancas, O Crocodilo, Uma história lamentável, O Duplo, e Recordações da Casa dos Mortos. É considerado o mais importante romancista russo. () 

Referência bibliográfica
Dostoiévski, Fiódor, 1821-1881.
O eterno marido / Fiódor Dostoiéviski; tradução, posfácio e notas de Boris Schnaiderman. 2. São Paulo: Ed. 34, 2003.
116 p. (Coleção Leste)
ISBN 978-85-7326-283-4
Tradução de Viétchnii Muj
1. Literatura russa. I. Schnaiderman, Boris. II. Título. III. Série.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O homem revoltado – Albert Camus


A leitura do texto requer paciência do leitor para não se apoquentar devido à sua complexidade. Traz a história filosófica sobre a revolta do homem e faz referências a importantes pensadores, quando menciona o niilismo, o surrealismo e o existencialismo. André Breton, Pierre Naville, Sade, Nietzsche e Dostoiévski são citados em várias oportunidades e o leitor precisa ter, pelo menos, noção do que cada um pensava a respeito das crenças e necessidades sociais.

O escrito tangencia um ensaio literário a respeito da revolta do homem e traz reflexões sobre propostas políticas e sociais ocorridas nos últimos anos. Possivelmente, por isso, os questionamentos de Albert Camus, que contestam teorias da época, não tenham sido aceitos por alguns pensadores franceses encabeçados pelo filósofo Jean-Paul Sartre.

Camus, afirma que a revolução e o amor são incompatíveis: “A revolução consiste em amar um homem que ainda não existe. Mas aquele que ama um ser vivo, se realmente o ama, ele só aceita morrer por ele.” Cita que o homem revoltado se contrapõe à ordem de quem o oprime e reage quando sente que não deve ser oprimido além do que pode admitir. Entende que a revolta não nasce, única e obrigatoriamente entre os oprimidos, pode também surgir do espetáculo da opressão. Neste caso, o revoltado se identifica com o outro indivíduo.

Cita que “Não se pode dar uma coerência ao assassinato, se a recusamos ao suicídio. A mente imbuída da idéia de absurdo admite, sem dúvida, o crime por fatalidade; mas não saberia aceitar o crime por raciocínio. Diante do confronto, assassinato e suicídio são a mesma coisa: ou se aceitam ambos ou se rejeitam ambos.”

Diz que “A revolta clama, ela exige, ela quer que o escândalo termine e que se fixe finalmente aquilo que até então se escrevia sem trégua sobre o mar. Sua preocupação é transformar. Mas transformar é agir, e agir, amanhã, será matar, enquanto ela ainda não sabe se matar é legítimo. Ela engendra justamente as ações cuja legitimação lhe pedimos. É preciso, portanto, que a revolta tire as suas razões de si mesma, já que não consegue tirá-las de mais nada. É preciso que ela consinta em examinar-se para aprender a conduzir-se.” E que: “Na nossa posição diária, a revolta desempenha o nosso papel que o cogito na ordem do pensamento: ela é a primeira evidência. Mas essa evidência tira o indivíduo de sua solidão. Ela é um território comum que fundamenta o primeiro valor dos homens. Eu me revolto, logo existimos.”

Afirma que “Para combater o mal, o revoltado, já que se julga inocente, renuncia ao bem e gera novamente o mal.”

O texto é riquíssimo em questionamentos e possibilita tirar conclusões sobre muito do que se propagou a respeito das revoluções sociais.

Informações sobre o autor - Albert Camus, foi escritor e filósofo, nasceu na Argélia e viveu sob o signo da guerra, da fome e da miséria. Morreu em acidente de carro em 1960. Juntamente com Jean-Paul Sartre foi um dos principais representantes do existencialismo francês. Camus afirma que as pessoas procuram incessantemente o sentido da existência numa vida que carece de sentido e na qual só é possível ganhar a liberdade e a felicidade com a rebelião. Escreveu O Mito de Sísifo (1942), O Estrangeiro (1942), A Peste (1947), O Estado de Sítio (1948), Os Justos (1949), O Homem Revoltado (1951). Foi-lhe atribuído o Prêmio Nobel da Literatura em 1957.


Referência bibliográfica
Camus, Albert, 1913-1960
O homem revoltado / Albert Camus; tradução de Valerie Rumjanek.- 8ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
210p.
Tradução de: L’homme révolté