quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Cândido - François-Marie Arouet (Voltaire)

O leitor menos avisado pode se enlear com o texto em face da forma escolhida por Voltaire para questionar valores sociais, governos, e crença de que o mundo deve ser enfrentado na forma como nos é apresentado.

O jovem Cândido, protagonista que dá nome ao título do livro, vide como agregado no castelo do barão Thunder-ten-Tronckh, em Vestefália, uma província na Alemanha e tem o mestre Pangloss como o responsável por ministrar os ensinamentos filosóficos que lhe ofereceria as condições psicológicas para o enfrentamento do mundo.

Os ensinamentos do preceptor Pangloss fizeram Cândido acreditar que tudo no mundo está encadeado para o melhor. Contudo, este conceito começou a ser questionado a partir do momento que ele foi expulso do castelo, quando o barão surpreendeu sua filha Cunegundes aproximar-se de Cândido e deixou cair um lenço. O jóvem apanhou o lenço e ela tomou-lhe inocentemente a sua mão. O rapaz a beijou na mão e em seguida suas bocas se encostaram, seus joelhos tremeram e a compromisso perpetuou-se pelo resto das suas vidas.

Cândido foge e segue os ensinamentos otimistas de Pangloss, afirmando que tudo estava bem apesar de tudo ir mal. O autor se apresenta irônico, sustentando a sua filosofia com sutileza necessária a manter-se ileso de possíveis condenações próprias à época.

A saída de Cândido do castelo e o distanciamento do mestre Pangloss promoveram oportunidades para convivências e questionamentos filosóficos, com uma velha que o abrigou, e, também, com o sábio Martinho.
Cacambo, seu criado, foi usado em várias oportunidades, não só pela dedicação e admiração que este tinha ao patrão, mas, também, por ser Cândido um fugitivo por ter assassinado três pessoas.

Voltaire fez o protagonista rodar o mundo, e deixa o leitor perceber as diferenças entre a Europa, países da América do Sul e em especial o território Inca.
Lá, no Eldorado, Cândido encontra aceitação e riqueza necessária a enfrentar as vicissitudes que o mundo havia lhe reservado e sinaliza, sutilmente, discordância à filosofia ensinada por Pangloss ao citar: “isto é bem diferente de Vestefália e do castelo do senhor barão; se o nosso amigo Pangloss visse Eldorado, nunca mais diria que o castelo de Thunder-ten-Tronckh era o que havia de melhor sobre a terra; sem dúvida, é preciso viajar.” Em seguida começa a ouvir os pensamentos filosóficos do sábio Martinho, contrários aos do seu antigo mestre.

Os acontecimentos que sucederam o terremoto que destruiu boa parte da cidade de Lisboa em 1755, serviram de base para questionamentos sobre a violência desembestada à época na Europa. Ficou decidido um auto-de-fé que incluiu o sacrifício de pessoas queimadas vivas para agradar a Deus e minimizar a fúria da natureza. Voltaire bate na igreja católica com veemência e mostra através da sobrevivência dos sacrificados no auto-de-fé que Deus rechaçou a oferenda.

Após ter percorrido o mundo em busca do conforto filosófico, Cândido envia a Bueno Aires seu fiel criado, Cacambo, com a incumbência para resgatar a sua amada Cunegundes. Quando se imagina tudo terminar bem, Cândido encontra um velho turco que não se envolve com absolutamente nada a não ser produzir alimentos para manter a família, fato que o leva a mais um conflito filosófico.
Por fim, questiona o otimismo de Pangloss, a astúcia de Martinho e o ceticismo do velho turco de Constantinopla e conclui referindo-se a uma provocação do antigo mestre: “isto está bem dito, (...), mas é preciso cultivar nosso jardim.”

Sem dúvida, Cândido é um texto atual, e de qualidade primorosa! 

Informações sobre o autor - François-Marie Arouet (Voltaire) nasceu na França em 1694 e ficou conhecido pelo pseudônimo de Voltaire. Filósofo iluminista é conhecido pela acuidade na defesa das liberdades civis e religiosas. Escreveu nas mais várias formas literárias. Sua obra influenciou importantes decisões políticas a exemplo da Revolução Francesa. 

Referência bibliográfica
Voltaire, 1694-1778.
Cândido / Voltaire; tradução Maria Ermantina Galvão. - 3ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2003 - (Voltaire vive)
Título original: Candide
163p.
ISBN 85-336-1727-5
1. Romance francês. 2.Sátira francesa. 3. Voltaire, François Marie Arouet de, 1694-1778. I.Título.II. Série.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O Diabo – Leon Tolstói


Após a morte do pai, Evguêni descobriu que a família estava afundada em dívidas. Levantou os compromissos, largou o trabalho que tinha e assumiu a administração da fazenda. Mudou-se para a propriedade, juntamente com a sua mãe, Mária Pávlovna e se jogou de corpo e alma na tentativa de recuperar o tempo perdido.

Quando empregado, na cidade, tinha relacionamentos sexuais com moças cujos compromissos não eram exigidos. Pagava pelo sexo e vivia independente de envolvimentos sérios.
No campo, isolado, na busca de solução para a modernização da fazenda e viabilização financeira do negócio se incomodava com a falta de sexo.
Sem chamar a atenção dos empregados procurou um velho amigo do pai para ajudá-lo. Daí em diante, Stepanida, casada com um cocheiro que trabalhava em Moscou, passou a se encontrar com Evguêni e, em troca, recebia algum dinheiro.
Ela era o tipo de mulher que, na Russia, chamavam de “mulher de soldado”. Uma referencia aos soldados que passavam muito tempo fora de casa e suas mulheres, até para sobreviverem, mantinham relacionamentos com outros homens.
Evguêni conheceu Liza Ánnenskaia e a pediu em casamento, contrariando Mária Pávlovna, a qual gostaria que o seu filho casasse com uma mulher de família rica.
Um acidente com Liza, quando gestante, resultou em aborto e o fato que quase se repetiu na segunda gestação.
Apesar do amor que Evguêni tinha por Liza e a dedicação que ela devotava a ele e aos afazeres da casa, alguns fatos levaram o reencontro entre Evguêni e Stepanida.
Enquanto ele procurava afastar-se, Stepanida flertava.
Desesperado, apaixonado pela antiga amante, Evguêni lutou para não ceder aos seus desejos e às insinuações de Stepanida. Ao perceber que havia perdido o controle sobre si mesmo, Evguêni imaginou: “Ela é o diabo. É o próprio diabo. Matá-la? Sim. Só há duas saídas: ou matar minha esposa, ou matá-la. Porque é impossível viver dessa maneira.”

Tolstói construiu uma novela que mostra os conflitos nas relações conjugais, impondo, neste caso, ao homem a tarefa de decidir sobre o caminho a tomar. Colocou em campos opostos o prazer e o conforto familiar.
A história termina de forma drástica e mostra a vulnerabilidade da mente humana ao se conflitar com os seus próprios diabos.



Leon Tolstói - É considerado um dos maiores escritores de todos os tempos. Ficou famoso por tornar-se, na velhice, um pacifista, cujos textos e idéias batiam de frente com as igrejas e governos, pregando uma vida simples e em proximidade à natureza. Foi um dos grandes da literatura russa do século XIX. Suas obras mais famosas são Guerra e Paz e Anna Karenina. Morreu aos 82 anos, de pneumonia, durante uma fuga de sua casa, buscando viver uma vida simples.

domingo, 18 de outubro de 2009

Do amor e outros demônios – Gabriel García Márquez

A marquesinha, filha de Bernarda Cabrera e do marques de Casalduero, nasceu de sete meses, em uma manhã chuvosa, com a aparência de uma rã desvanecida. Ao ouvir o anuncio da parteira que a menina não vingaria, Dominga de Adiviento prometeu a seus santos que se a graça de viver fosse concedida não se cortaria o seu cabelo até a noite do seu casamento.

Bernarda, mãe da marquesinha Sierva María de Todos los Ángeles, não gostava da filha por achar que ela tinha poderes sobrenaturais e a apelidou de María Mandinga. Certo dia, ao se deparar com uma boneca flutuando na tina, exigiu que a garota fosse viver no galpão, em companhia das suas escravas.
A convivência com elas lhe rendeu o aprendizado de línguas africanas, afastando-a, ainda mais, a convivência com os seus pais.

No dia que María completou doze anos, foi ao mercado em companhia de uma escrava, e se deparou com um cachorro raivoso. Retornaram à residência, porém o fato foi omitido da família.
Ao descobrir o ocorrido o marques Casalduero consultou o médico Abrenuncio e este atestou que a menina não havia contraído raiva, apesar de ter sido mordida pelo cão. O médico judeu não era do agrado do bispo Don Toríbio de Cárceres y Virtudes fato que levou a autoridade religiosa convocar o marques, pai de Servia María, para informá-lo que a sua filha havia incorporado o demônio e para salvá-la ele deveria confiar o seu destino aos cuidados da igreja.

Temeroso aos desígnios de DEUS o marques preparou María, com ainda seus cabelos longos e intocáveis, fruto da promessa feita quando do nascimento, e a levou ao convento, abandonando-a aos caprichos da abadesca Josefa Miranda e suas auxiliares.

No convento, a menina se encabritou e demonstrou quase tudo do que havia aprendido com as escravas no galpão.
Temida pelas freiras e noviças, María foi colocada em uma cela e isolada das demais moradoras do convento. Enquanto isso, o bispo Don Toríbio designou o padre Cayetano Alcino del Espíritu Santo Delaura y Escudero para exorcizá-la.

Percebendo que Sierva María não havia contraído raiva tampouco estava com o diabo no corpo, o padre tentou, sem sucesso, convencer o bispo para liberar a menina.
Afastado da tarefa de exorcismo pelo bispo após ter se declarado apaixonado por Sierva María, o padre Cayetano mantinha contato noturno com a menina e trocavam amabilidades na esperança de um dia poderem compartilhar uma vida feliz.

Após várias tentativas, sem sucesso, para libertar María do cárcere, o padre Cayetano passou a freqüentar a casa do médico Abrenuncio e teve acesso a livros proibidos pela igreja.
Pego de surpresa, no convento, em uma das oportunidades que visitou a jovem, o padre foi condenado pelo Santo Ofício a prestar serviços em um hospital para leprosos. Impotente e confuso ele percebeu muitos dos erros na igreja pela qual havia dedicado toda a sua vida.

Após ser submetida a novos castigos durante o exorcismo, dentre os quais a cabeça raspada com navalha, a jovem Sierva María morre e para surpresa de todos os seus cabelos continuaram crescendo.

O livro expõe a igreja na prática do exorcismo se contrapondo a parapsicologia, mostra o seu poder no controle político-social, chama a atenção para as dificuldades nas relações conjugais quando ocorrem interferências familiares, e, principalmente, a capacidade de sobrevivência do ser humano em ambientes hostis.
O sacrifício imposto à vida de uma garota que desde o seu nascimento até a sua morte foi submetida a situações esdrúxulas, serviu de lenda para questionamentos legítimos feitos por Gabriel Garcia Marques. Poucos são os autores que possuem a capacidade para, através de fábulas como esta, alçar temas ricos para reflexão humana, sem cair no vulgar.

Informações sobre o autor – O escritor colombiano, Gabriel José García Márquez, apelido Gabo, nasceu em 1928 na aldeia de Aracataca, na Colômbia. Cedo abandonou a casa dos pais e trabalhou em diferentes empregos. Fez seus estudos em Barranquilla e chegou a iniciar o curso de direito em Bogotá, época em que publicou seu primeiro conto. Exerceu o jornalismo em Cartagema, Barranquilla e no El Esplendor, de Bogotá. Foi correspondente das Nações Unidas em Nova York. Recebeu Prêmio Nobel de literatura por sua obra que entre muitos outros livros inclui “Cem anos de Solidão”.

Referência bibliográfica
García Márquez, Gabriel, 1928 -
Do amor e outros demônios / Gabriel García Márquez; tradução Moacir Werneck de Castro. 18ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2009.
221p.
Tradução de: Del amor y otros demonios
1. Romance colombiano. I. Castro, Moacir Wemeck de. II . Título.

domingo, 11 de outubro de 2009

A Montanha e o Rio – Da Chen

Ao atirar-se do alto do monte Balan, com o intuito de acabar com a sua vida e a do filho que carregava na barriga, a jovem chinesa não imaginava que a energia provocada pelo impulso pudesse expulsar do seu ventre o pequeno Shento, filho de um respeitado general do exército chinês.
Encontrado por um velho curandeiro pendurado num galho de uma árvore, preso pelo cordão umbilical, Shento foi salvo e teve a infância parecida com a de muitas outras crianças chinesas, até o dia que um faminto mendicante lhe propôs contar a verdadeira história de sua vida em troca do lanche que carregava.
Daí em diante, o jovem Shento elegeu o seu verdadeiro pai como referência e aguardou que ele o reconhecesse como filho, contudo, apesar da aproximação incidida devido o excelente desempenho que tinha na escola, alguns fatos impediram a continuidade do convívio. Posteriormente, a interferência de pessoas da família provocou revolta no jovem disposto a lutar por um lugar ao sol.
Jogado em uma escola com características de campo de concentração nazista, Shento conheceu a jovem Sumi e deste convívio nasceu um relacionamento amoroso que resultou no assassinato de três colegas no momento que tentavam estuprar Sumi. A fuga de Shento tornou-se inevitável, porém, o desapontamento por ter abandonado a sua amada naquele ambiente degradado foi transformado em motivação para um provável reencontro.

Enquanto isso acontecia, Tan Long, meio-irmão de Shento, vivia em berço de ouro em Beijing. Convivia com a família e frequentava escolas de qualidade. A sua professora de inglês Miss Yu o envolveu em movimentos estudantis direcionados à democratização da China, e este envolvimento resultou na prisão e na tortura de Tan por ter ajudado na fuga de Miss Yu. Não bastasse o ocorrido, Tan Long teve o dissabor de ver o seu avô e o seu pai depostos de importantes cargos que exerciam no governo.
Reclusos em terras da família, os Long´s, se tornaram proprietários de grandes conglomerados empresariais, devido a uma ousada estratégia de Tan Long ao resgatar títulos públicos que havia adquirido a preços de bagatela, quando ninguém acreditava que os referidos títulos fossem honrados pelo Banco da China.

Por força do destino, o jovem Tan Long conheceu Sumi no período que ela se submetia aos caprichos de um esquisito empresário para prover a sobrevivência do filho, fruto da relação que teve com Shento na escola, antes do assassinato que motivou a sua fuga.
Sem saber da existência do seu meio-irmão Shento, e a história de Sumi, Tan Long matou o empresário que se dizia dono de Sumi e a libertou juntamente com o filho Tai Ping.

Sumi tornou-se escritora, e, ao lado de Tan Long, membros do Clube da Árvore Venenosa e do Partido Democrático Chinês. Foi defensora dos direitos humanos na China e teve seus livros e textos usados como ferramenta de campanha para democratização do país.

Shento galgava postos importantes no governo e procurava localizar Sumi, na esperança de um dia poder viver ao seu lado. Ao encontrá-la, ficou decepcionado devido ao envolvimento da amada com o seu meio-irmão. Propôs viver com Sumi e seu filho que acabara de conhecer e enquanto aguardava o posicionamento dela fez incursões para destruir o seu meio-irmão.
Revoltada com as ações de Shento, Sumi se afastou dos dois para evitar o conflito.
Daí em diante, Shento, sem perceber, foi usado pelo então presidente Teng Tu para destruir a família do seu pai Long. As consequências desastrosas interferiram no sofrimento de todos, inclusive do próprio Shento, que ao substituir Teng Tu no cargo de presidente do país se deparou com problemas psicológicos. Em momento de desespero e desilusão Shento pondera: “Neste vazio, fui despido de todo o meu poder e voltei a ser o enjeitado nu que eu era. Meu coração tinha fome e meus pés estavam frios.”

O autor da obra, Da Chen, dá um show em sua primeira incursão na área da ficção. O leitor fica ansiado para completar o texto, riquíssimo de detalhes que inclui as tradições orientais e o regime ditatorial chinês. A história lembra o livro “Caim e Abel” escrito por Jeffrey Archer, em outro plano político-social. A estrutura e a forma se assemelham, porém, Da Chen rebrota o texto a exemplo das gemas da árvore que salvou o pequeno Shento, que emergem quando se imagina hibernarem.

Informações sobre o autor - Da Chen nasceu no sul da China, em 1962, emigrou para os Estados Unidos aos 23 anos. É formado pela Faculdade de Direito da Universidade de Columbia. Mora na região do rio Hudson, no estado de Nova York com a esposa e os dois filhos.