segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Múltipla Escolha - Lya Luft

Indignação, possivelmente, é a palavra mais adequada para descrever o ensaio escrito por Lya Luft.
O título, Múltipla Escolha, insinua a condição do ser humano em escolher o seu destino.
O texto é abrangente, instigante e provocativo, contudo, não apresenta sugestões para a maioria das questões sociais referidas. Oferece posicionamentos a respeito das relações, tendo como pano de fundo a hierarquia da pirâmide familiar.
A autora pontua a maioria dos temas que angustia a sociedade brasileira, com ênfase na ausência do exercício da autoridade familiar, e questiona ações equivocadas nos discursos sobre direitos humanos ao colocar a sociedade como responsável pelos desvirtuamentos de valores éticos.
Múltipla Escolha se apresenta como um discurso de desabafo diante do descontentamento por ausência da ética nas relações, necessária à formação de valores, que contribuem para o encontro com a esperada e remota justiça social.
Os temas abordados pela autora são cotidianos e conhecidos, porém, muitos dos valores distorcidos já se encontram arraigados nos comportamentos sociais e, muitas das vezes, impercebíveis como distorção.
Lya Luft cita: “É estranho pensar que tudo tem sua importância: o modo como levo o copo d’água, o jeito com olho o meu filho, dirijo meu carro, escrevo meu texto, prendo o botão da camisa com o cheiro da pessoa amada, cavo minha cova ou como uma fruta. Tudo modifica o mundo, tudo depende (em parte) de mim.”
Filosofa quando cita: “E mesmo que se possa manter, com vários recursos, uma aparência boa em qualquer idade, nenhum artifício, por mais hábil que seja, substitui uma mente arejada, a alegria de viver, e o prazer das coisas.”
Diz mais: “enquanto o corpo encolhe a mente e o coração podem continuar expandindo.”

O texto merece ser visto como um retrato social que concentra atitudes que ultrapassam direitos e deveres, entretanto, sabe-se que muitos dos que se dedicaram à procura do mundo perfeito terminaram se decepcionando com o resultado. A humanidade é mutável e os valores variam de sociedade para sociedade. É só ver as notícias divulgadas de outras civilizações para entender que o feio, ruim e extravagante para um povo pode ser belo, bom e normal para outros.

Informações sobre a autora - Lya Luft começou a carreira em 1980, aos 41 anos,com a publicação do romance As parceiras, seguido por A asa esquerda do anjo (1981), Reunião de família (1982), Mulher no palco (1984), O quarto fechado (1994), Exílio (1987), O lado fatal (1988), A sentinela (1994), O rio do meio (1996), Secreta mirada (1997), O ponto cego (1999), Histórias do tempo (2000), Mar de dentro ( 2002), Perdas & Ganhos (2003), Pensar é transgredir (2004), Histórias de Bruxa Boa (2004), além de outros títulos. Formada em letras anglo-germânicas e com mestrado em Literatura Brasileira e Linguística Aplicada, Lya professora de linguística de 1970 a 1980. Atuou como tradutora de várias obras de autores consagrados, como Virginia Woolf, Günter Grass, Thomas Mann e Doris Lessing.

Referência bibliográfica
Luft, Lya
Múltipla escolha / Lya Luft. - Rio de Janeiro: Record, 2010.
189p.
ISBN 978-85-01-08952-6
1. Luft, Lya, 1938-. 2. Ensaio. I. Título.

sábado, 21 de agosto de 2010

A Peste – Albert Camus

Albert Camus escolhe a cidade de Oran, confinada entre o mar e as portas cerradas, para simbolizar a ocupação nazista na França. A doença disseminada pelos ratos que saiam dos esgotos, dos porões e das fábricas invade a cidade, contamina a população e obriga os seus dirigentes a aguardarem, pacientemente, o fim do processo dominador. Uma espécie de atitude de inferioridade que o ser humano assume quando se depara com determinadas situações. A cidade que serve de palco para a história é finita apesar do horizonte marítimo. Os seus limites físicos servem para simbolizar a impotência em relação ao poderio armamentista da Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

A peste bubônica ataca a cidade e mata, diariamente, um número razoável de concidadãos, como se refere o autor, tempo em que os vivos, sem saber quando serão escolhidos pela peste, aguardam pacientemente e ordeiramente o destino, restando-lhes, apenas, a prática da solidariedade.
O relato simbólico da peste foca as relações pessoais, a amizade não declarada, a prática do bem, o questionamento de valores religiosos, a família, o sofrimento taciturno e introvertido, a separação amorosa, e os privilégios das classes sociais mais poderosas.
A peste atacou bons e maus, adultos e crianças, religiosos e ateus. Não se sabia o antídoto da defesa, por isso, submeteram-se a imposição. O remédio veio com o tempo. O soro da liberdade foi anunciado com veemência e recebido pela população com alegria e festejo. A fraternidade foi exercitada durante todo processo simbólico, contudo, a desigualdade se apresentou na forma de acesso aos gêneros alimentícios, nas quarentenas e, ao que parece, apesar do sofrimento não remeteu a mudanças significativas.

A Peste é um livro fantástico. Mostra a mudança de valores quando o ser humano é submetido a situações de impotência. O que parece importante deixa de ser e o coletivo passa a tomar corpo em detrimento do individual. Os pecadores podem ser aceitos e os santos renegados. A Peste conduz o leitor a experimentar situações que lembra fatos políticos ocorridos no mundo, não só, na simbologia da Segunda Guerra Mundial, mas, também, nos Estados autoritários experimentados na Europa, na Ásia, e nas Américas.

A analogia entre a impotência humana sob a epidemia e a exclusão da liberdade é a trama escolhida para despertar as agruras da humanidade. O autor exige uma moral simultânea de conhecimento da necessidade e o exercício de poder: "Na realidade, um homem deve lutar pelas vítimas. Mas, se deixa de gostar de todo o resto, de que serve lutar?"

Informações sobre o autor - Albert Camus, foi escritor e filósofo, nasceu na Argélia e viveu sob o signo da guerra, da fome e da miséria. Morreu em acidente de carro em 1960. Juntamente com Jean-Paul Sartre foi um dos principais representantes do existencialismo francês. Camus afirma que as pessoas procuram incessantemente o sentido da existência numa vida que carece de sentido e na qual só é possível ganhar a liberdade e a felicidade com a rebelião. Escreveu O Mito de Sísifo (1942), O Estrangeiro (1942), A Peste (1947), O Estado de Sítio (1948), Os Justos (1949). Foi-lhe atribuído o Prêmio Nobel da Literatura em 1957.

Referência bibliográfica
Camus, Albert, 1913-1960
A peste / Albert Camus; tradução de Valerie Rumjanek Chaves. - 18ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
218p.
Tradução de: La peste
ISBN 987-85-01-01487-0
Romance francês. I. Chaves, Valerie Rumjanek.II.Título