terça-feira, 23 de março de 2010

Leite Derramado – Chico Buarque de Hollanda

Chico, fala da dificuldade do idoso memorizar fatos recentes e concatenar idéias de forma lógica e objetiva. Mistura temas da história política brasileira, com relatos, aparentemente sem nexo, com o intuito de mostrar o valor que tem a qualidade nas relações pessoais, e a influência, que estas produzem, no bem-estar dos indivíduos.

Os conflitos de valores incutidos por preconceitos sociais conflitam com sentimentos vividos pelo protagonista da história. Neste ponto, Matilde, a inesquecível mulata que se tornou mulher de Eulálio Montenegro d'Assumpção, é colocada, em sua vida, com a pecha de tê-lo traído. A inclusão de Matilde na história, com as características raciais descritas, tem como alvo sublimar preconceituosos e enaltecer a forma como são vistas as mulheres, mesmo quando são criadas em ambientes considerados nobres.
No caso específico, o autor deixa subentendido que Matilde pode ter fugido com o francês Dubosc, sem deixar vestígios, abandonando o marido e a filha Maria Eulália.
Apesar de ela ter a pele escura, o autor destaca que os seios são brancos, procurando contradizer, de forma simbólica, a lógica equivocada entre a cor da pele e os valores do indivíduo. Expõe a personagem, quando relata o seu apetite sexual e o desinteresse por assuntos intelectuais, ao ponto de citar sua tímida postura nas reuniões sociais.

Em vários momentos, o autor utiliza-se do protagonista, que tem a memória desfalecente e repetitiva, e relata os encontros entre Eulálio e Matilde, antes do casamento.
Diz o protagonista, que se sentia o responsável por despertar o calor sexual em Matilde, mas, recebia em retribuição o sentimento de se sentir o maior homem do mundo: “Eu descia correndo e lhe abria a porta da cozinha, que Matilde apenas ultrapassava. Encostava-se na parede da cozinha, a respiração curta, e me arregalava os olhos negros. Em silêncio nos olhávamos por cinco, dez minutos, ela com as mãos na altura dos quadris, agarrando, torcendo a própria saia. E corava pouco a pouco até ficar bem vermelha, como se em dez minutos passasse por seu rosto uma tarde de sol. A um palmo de distância dela, eu era o maior homem do mundo, eu era o Sol. Via seus lábios entreabrirem, e acima deles brotavam umas gotículas de suor, enquanto suas pálpebras devagar cediam. Enfim eu me jogava contra o corpo dela, pressionava o corpo dela contra a parede da cozinha, sem contatos de pele, e sem avanços de mãos ou de pernas, por algum acordo jamais expresso. Com meu tronco eu a esmagava, quase, até que ela dizia, eu vou, Eulálio, e seu corpo tremia inteiro, levando o meu a tremer junto.”

No leito de um hospital, o moribundo Eulálio Montenegro d'Assumpção narra a sua história e têm como ouvintes, de forma alternada, a sua filha e uma das enfermeiras do hospital. Nas entrelinhas, fala do desejo de retornar a casa em Copacabana, das dificuldades financeiras, do descaso da sociedade em relação aos idosos, da equivocada forma de se fazer política, da falta de atenção do poder no que se refere à segurança pública, do tráfico de drogas, e da desilusão amorosa.

Aborda, com insistência e de forma repetitiva, a sua paixão pela mulher que nunca conseguiu tirar da memória, apesar da confusão mental que vivenciava ao completar seus cem anos de vida.

O texto tem forma diferenciada, requer disciplina do leitor para adaptar-se à sua característica, caso contrário, poderá parecer repetitivo, contudo, o autor consegue atingir o seu intento: roubar a memória de um idoso que sofre de amor e abandono. 

Informações sobre o autor - Francisco Buarque de Holanda nasceu no Rio de Janeiro, em 1944. Cantor e compositor, publicou as peças Roda Viva (1968), Calabar (1973), Gota d´água (1975), e Ópera do Malandro (1979); a novela Fazenda modelo (1974) e os romances Estovo (1991), Benjamim (1995), e Budapeste (2003). 

Referência bibliográfica
Buarque, Chico
Leite derramado / Chico Buarque. - São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
195p.
ISBN 978-85-359-1411-5
1. Romance brasileiro I.Título.

segunda-feira, 15 de março de 2010

O Jogo do Anjo – Carlos Ruiz Zafón

Um livro cheio de mistérios.
O jovem Martín, que vivia com o pai, analfabeto e veterano de guerra, passou a morar nas dependências do jornal “La Voz de La Indústria”, após seu pai ter sido assassinado no lugar de Pedro Vidal.
O escritor de histórias policiais, filho do proprietário do jornal, se sentiu culpado pela morte do pai de Martín e tentou ajudá-lo, já que ele era o alvo do assassino.
Certo dia, Martín, ainda sem rumo, foi convocado para redigir o texto que faltava para “fechar o jornal”, a ser impresso logo em seguida. Para surpresa do revisor, a história caiu no agrado dos leitores e Martín se tornou imprescindível para o periódico.
A partir daí, a história toma um rumo macabro, cheio de suposições simbólicas e sobrenaturais.
Martín é contratado por uma editora, cuja ética dos proprietários deixa a desejar. Neste contexto surge, Andreas Corelli, um estrangeiro que se diz editor de livros em Paris.
Apesar de Martín ter contrato firmado com os editores Barrido e Escobillas, para escrever a série “A Cidade dos Malditos”, Andreas Corelli, lhe ofereceu uma fortuna para escrever um livro que convencesse os leitores a segui-lo, como religião.
Martín, ciente do diagnóstico médico sobre a sua precária saúde, cuja vida foi estimada em um ano e meio, devido à existência de um carcinoma no cérebro, tentou se desvencilhar da encomenda, contudo, Andreas Corelli não o deixava em paz. Devido o diagnóstico médico e a estimativa de vida, Martín resolveu não cumprir o contrato com os editores.
Daí em diante, ocorre uma serie de coincidências que deixa o leitor atento, na esperança de entendê-las. Os editores morrem, após um incêndio criminoso e Martín fica curado, apesar da ausência de cuidados médicos. Enquanto estes fatos ocorrem, a polícia investiga, minuciosamente, a vida de Martín, deixando-o atordoado.
Sempere, proprietário de uma livraria, abriga e conforta Martín em todas as suas agruras.
Cristina, filha de um motorista, atraiu o amor do jovem escritor e, ao mesmo tempo, aceitou casar-se com Pedro Vidal, o mesmo que o pai do protagonista morreu em seu lugar.
Neste contexto, Sempere, apresenta Isabela, a Martín, que diz querer ser escritora, tornando-se sua discípula literária.
Apesar de a história enaltecer o valor dos livros com diálogos e citações, ela se embrenha em mistérios que mais parece um enredo, escrito para filme de Hollywood.
Sem querer ser petulante, a história poderia ter sido narrada de forma mais sucinta, sem perder a sua essência. Em alguns momentos o drama se apresenta cansativo, sem novidades e, ao final, nada de concreto ou filosófico. 

Informações sobre o autor - Carlos Ruiz Zafón, nasceu em Barcelona, em setembro de 1964. Seu primeiro romance, A Sombra do Vento, foi traduzido em mais de trinta idiomas e publicado em cerca de quarenta e cinco países. 

Referência bibliográfica
Zafón, Carlos Ruiz
O jogo do anjo / Carlos Ruiz Zafón; tradução Elianan Aguiar.- Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
410p.
ISBN 978-85-60280-30-8
Tradução de: El juego del ángel
1. Romance espanhol. I.Aguiar, Eliana. II.Título.