sábado, 31 de dezembro de 2011

A Marca Humana – Philip Milton Roth

Um decano da Faculdade de Athenas, nos Estados Unidos, depois de dedicar a sua vida ao ensino, é acusado de racismo por se referir a dois alunos, que nunca apareceram na classe, como spooks.
A história deste professor de setenta e dois anos teria sido diferente se os alunos citados não fossem negros.
Coleman Silk é pressionado, inclusive por outros professores, e resolve pedir desligamento da faculdade.
Após a morte da esposa, o decano pede ao seu vizinho Nathan Zuckerman, para escrever a sua história e este decide narrar os acontecimentos e suposições dos fatos.
Na verdade, o professor era filho de pais negros, apesar de possuir características fenotípicas de individuo branco. Ao ser discriminado por uma namorada branca, que o rechaçou após conhecer a sua família negra, Silk decide se passar por um judeu branco, sem antepassados e irmãos.
À sua esposa judia, Iris, segunda namorada banca, nunca foi revelada a sua verdadeira origem, tampouco aos seus quatro filhos que herdaram características parecidas às da mãe.
Após a morte da sua esposa, vitimada devido às injustiças feitas ao marido, Coleman Silk se aproxima de uma jovem faxineira esposa de um ex-combatente na guerra do Vietnã, que se diz analfabeta. Este novo relacionamento impõe a quebra de paradigmas morais e sociais, não aceitos por colegas e filhos do protagonista.
A intolerância social imposta ao decano devido ao novo relacionamento com a jovem faxineira, que lhe devolveu o prazer de viver, o afastou ainda mais do convívio com os filhos e ex-colegas, e, de presente, ganhou a oposição ferrenha de Les Ferley, ex-marido de Faunia Farley, sua amante.
Les Ferley, por sua vez, não consegue perdoar a ex-esposa pela morte dos filhos e tenta, a todo custo, esquecer-se dos fatos ocorridos nos combates no Vietnã. Persegue Coleman e Faunia e termina como suspeito da morte dos dois.
O escritor convidado a contar a história tende a compreender os motivos que levaram o protagonista a se passar por branco, porém, ao conhecer seu opositor Les Ferley, enquanto investigava o acidente que vitimou Coleman e Faunia, passa a entender os motivos para o sofrimento e revolta do ex-combatente.

A infeliz Delphine Roux, também professora da universidade, decide infernizar a vida de Coleman, ao que parece por desprezo do mesmo em relação aos seus sentimentos amorosos.

O texto, rico em conteúdo, agrega criticas contundentes ao governo americano quanto à decisão de gastar uma fortuna para combater o regime comunista vietnamita, submetendo soldados a situações vexatórias, enquanto dirigente político é denunciado por ter relações sexuais, em pleno expediente, com estagiária na Casa Branca. Não bastassem as divergências morais, a crítica impera sobre a demora da sociedade americana em reparar os erros referentes à discriminação racial.

Coleman e Les Ferley são colocados como personagens centrais de uma história, escrita por Philip Roth, de forma que o leitor possa incorporá-los em momentos diferenciados, sem, contudo, chegar a nenhuma conclusão prática, devido ao contexto social em que eles são atirados. Philip Roth escancara a Marca Humana como uma pecha a ser extirpada da sociedade moderna e do mundo que defende direitos igualitários sem se preocupar em abolir a prática imperialista e preconceituosa.

Ao findar o texto o leitor continua relendo, refletindo, remoendo, revendo, remetendo-se a fatos históricos de um mundo corrompido e individualista. Um mundo cujo discurso afinado impera contrapondo-se com a prática política avalizada por povos desinformados, subservientes e sem foco em ações que possam minorar o sofrimento causado pela discriminação racial, social e regional dos povos. 
 
Informações sobre o autor – Philip Milton Roth nasceu em 1933, Nova Jersey, Estados Unidos. Tem origem judia e é considerado um dos maiores escritores americanos da metade do século XX. Escreveu Complô contra a América, O Complexo de Portnoy, Teatro de Sabath, O avesso da vida, Professor de desejo, Diário de uma ilusão, Casei com uma comunista, Pastoral Americana, A Mara Humana, O Animal Moribundo, O homem comum, Fantasma sai de cena, Indignação, dentre outros. Muitas de suas obras tratam de aceitação e identidade dos judeus nos Estados Unidos e explora o desejo sexual e a autocompreensão.

Referências bibliográficas
Roth, Philip, 1933.
A marca humana / Phiplip Hoth ; tradução de Paulo Henrique Britto. - São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
454p
Título original: The Human Stain.
ISBN 978-85-359-0198-6
1.Romance norte-americano - I. Título

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O Nariz - Nicolai Vassilievitch Gogol


A história fantasmagórica, escrita por Gogol, revela uma crítica ferrenha à sociedade de São Petersburgo, na Rússia.
O nariz do major Kovaliov é encontrado pelo barbeiro Ivan Iákovlevich, dentro de um pão, durante o seu café da manhã, que, de pronto, o reconhece. Decidido a se desvencilhar do achado, para não ser incomodado por agentes da autoridade, saiu à rua carregando o tal apêndice e terminou sendo surpreendido em todas as tentativas que fez para depositá-lo em algum lugar.
Enquanto isso, ao acordar, o major percebe que o seu importante nariz não se encontrava no rosto e decide recorrer a vários meios para reavê-lo, tempo em que tenta identificar o responsável pela façanha.
Diante da perplexidade que o episódio ensejou, a polícia se esquivou de iniciar um procedimento e a imprensa, por sua vez, decide não publicar um anuncio, encaminhado pelo major, acerca do detalhamento do nariz. 
Depois de flagrado o nariz em situações exorbitantes o major Kovaliov recorre a um médico para recolocá-lo no devido lugar e, para sua surpresa, é informado da impossibilidade.
No dia seguinte, ao acordar, o nariz fujão reaparece, são e salvo, no rosto da autoridade e Gogol, com esta história hilária e surreal, debocha e cobra, do seu jeito, o respeito da sociedade pela condição humana.

Informações sobre o autor – Nicolai Vassilievitch Gogol, nasceu na Ucrânia em 1809 e foi para São Petersburgo aos vinte anos. Considerado um dos mais importantes escritores russos, escreveu Almas Mortas, O Capote, O Inspetor Geral, O Retrato, O Diário de um Louco, dentre outros. Morreu em 21/02/1852.

domingo, 6 de novembro de 2011

A Costureira e o Cangaceiro – Frances de Pontes Peebles

A história conta a dificuldade das famílias que habitaram a caatinga nas margens do rio São Francisco, que divisa os estados da Bahia, Alagoas e Pernambuco.
Os leitores que conhecem a região são atraídos pela forma, precisa, de caracterizar o contexto, não só quanto aos fatos políticos e composição sociológica, mas, também, pelo detalhamento, não cansativo, do cenário que emoldura a trama.
A narrativa nos remete à década de trinta, onde os movimentos políticos, liderados por Getúlio Vargas, se contrapõem com a magnitude climática, cuja seca dizima tudo e a todos, a chuva, faz renascer a esperança, provoca o rebroto da flora enquanto a fauna desperta da hibernação protetora.

Duas irmãs, marcadas pelo sofrimento, decidem caminhar em sentidos opostos. Uma, na tentativa de se desvencilhar da subserviência caótica, arranja um relacionamento, nada comum à época, e se desloca para a cidade litorânea do Recife enquanto a outra ignora a esperança, se deixa raptar por um bando de cangaceiros.

A história centrada nas dificuldades de pessoas nascidas em ambientes insalubres, desprovidos de conforto e submetidas às atrocidades dos coronéis latifundiários, margeia a conhecida saga  de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, famoso cangaceiro decapitado na Grota do Angico, às margens do São Francisco, por tropa do governo.

A Revolução de 1930 levou Getúlio Vargas ao poder e adentrou a caatinga com ações repressivas, com o intuito de exterminar os bandos de justiceiros do nordeste brasileiro, à época apoiados pela população carente e por coronéis, latifundiários, em troca de segurança.
A seca castigava e a falta de condições mínimas para sobrevivência obrigou a população a migrar para as periferias das grandes cidades.  Muitos dos que permaneceram na caatinga morreram de sede e fome, presos as origens, e grupos sem poder de decisão sobre suas vidas, diante da falta do mínimo necessário à sobrevivência, foram recebidos em campos de refugiados da seca, montados pelo governo, na tentativa de frear o êxodo rural.

O texto percorre a saga do cangaço, matizada com histórias familiares que caracterizam os valores sociais à época. Bem escrito, apesar de extenso, transporta o leitor para uma reflexão dos aspectos regionais que continuam intrínsecos ao povo catingueiro.  É só ir até a Grota do Angico para entender a dicotomia.

Informações sobre o autor – A escritora, filha de mãe pernambucana e pai norte-americano, nasceu no Recife, Pernambuco. É formada em letras pela Universidade do Texas, em Austin, fez mestrado no Writers’ Workshop da Universidade de Iowa. Mora em Chicago, Illinois, e todo ano passa férias em seu sítio em Taquaritinga do Norte, Pernambuco. Ganhou os prêmios Friends of American Writers Award for Fiction e Elle Magazine’s Grand Prix 2008.

Referência bibliográfica
Peebles, Frances de Pontes
A costureira e o cangaceiro / Frances de Pontes Peebles; Tradução de Maria Helena Rouanet.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
Tradução de: The seamstress.
620p.
ISBN 978-85-209-2168-5
1. Romance americano. I. Rouanet, Maria Helena, 1950.  II. Título.

domingo, 28 de agosto de 2011

Ninguém escreve ao Coronel – Gabriel García Márquez

Em reconhecimento aos serviços prestados à nação, o governo decidiu compensar os veteranos de guerra com uma pensão vitalícia. Devido à falta de verba para contemplar todos os veteranos, de uma só vez, elaborou uma relação com os nomes a serem beneficiados.
O Coronel, protagonista do conto, residia em uma ilha com sua mulher e mantinha-se esperançoso, apesar de sua posição na lista ser a de número 1823. Ou seja, havia 1822 combatentes a serem atendidos antes dele. O governo não revelava quantas pensões já tinha sido concedida e este procedimento mantinha o Coronel esperançoso e convicto de que um dia seria comunicado da concessão. Todas as sextas-feiras a esperança era renovada, se dirigir ao cais do porto e aguardava a lancha que trazia o correio para a ilha, na expectativa de receber a carta com a notícia.
Com o passar do tempo e o tardar da notícia, sem dinheiro, o Coronel começou a vender os objetos que havia na casa, dentre eles uma máquina de costura, herdada do filho, alfaiate.
Restou ao Coronel um galo de briga, deixado pelo filho Agustin, assassinado pela polícia, e lhe foi oferecido 900 pesos pela ave, diante do bom desempenho no treino para a luta prevista para quarenta e cinco dias após. Vendê-lo e suprir as necessidades imediatas ou aguardar a luta para aventurar um bom dinheiro, com a possível vitória?

A história do Coronel que vivia ao lado de uma mulher asmática, triste pela morte do filho e esperançoso por uma notícia que tardava a chegar, narrada por Gabriel García Márquez, tem gosto sutil de humor inteligente sem perda do foco social.
O texto, escrito em linguagem direta, mostra o ser humano com suas fraquezas e esperanças, acreditando em promessas que lhes são convenientes, principalmente, quando estas se tornam a única forma de sobrevivência. Evidencia a história de um homem que, em prejuízo do sustento, decide manter-se reservado para não passar por constrangimentos, apesar da notória exposição social.

Informações sobre o autor – O escritor colombiano, Gabriel José García Márquez, apelido Gabo, nasceu em 1928 na aldeia de Aracataca, na Colômbia. Cedo abandonou a casa dos pais e trabalhou em diferentes empregos. Fez seus estudos em Barranquilla e chegou a iniciar o curso de direito em Bogotá, época em que publicou seu primeiro conto. Exerceu o jornalismo em Cartagema, Barranquilla e no El Esplendor, de Bogotá. Foi correspondente das Nações Unidas em Nova York. Recebeu Prêmio Nobel de literatura por sua obra que entre muitos outros livros inclui “Cem anos de Solidão”.

Referência bibliográfica
García Márquez, Gabriel, 1928 -
Ninguém escreve ao Coronel / Gabriel García Márquez; tradução Danubio Rodrigues; [Ilustração de Carybé] 24ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2011.
Tradução de: El coronel no tiene quién le escriba.
ISBN 978-85-01-01655-3
1. Conto colombiano. I. Rodrigues, Danubio.  II. Título.


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sábado, 13 de agosto de 2011

Laranja Mecânica – Anthony Burgess

O texto, escrito em 1962, conta a história de um adolescente que vive na cidade de Londres.   O autor cria uma sociedade futurista na qual a violência atinge proporções gigantescas, exaladas nas mais diversas formas, inclusive na prática de roubos, estupros, espancamentos e assassinatos.
A violência praticada sem uma causa perceptível foi enfrentada, pelo governo, de forma totalitária. 

Anthony Burgess utiliza uma linguagem curiosa, carregada de gírias nadsat, com palavras rimadas, exigindo do leitor o seu aprendizado para remetê-lo ao centro do contexto, para vivenciar a história. O insere como observador na gangue comandada pelo idiota Alex que tem a companhia dos não menos retardados Pete, Georgie e Tosko.

Na maioria, as vítimas da gangue são os idosos e intelectuais. A escolha pode ter sido proposital para consagrar frustrações relacionadas à intelectualidade socialista e a ausência de práticas familiares apropriadas ao bem-estar dos jovens.

A solução encontrada pelo governo para combater as ações de Alex, não se caracterizou como menos hostil. “O diretor olhou para mim com uma cara muito cansada e disse:- Acho que você não sabe quem era aquele hoje de manhã, sabe 6655321? – E, sem esperar que eu dissesse não, ele disse: - Ninguém menos que o Ministro do Interior, o novo Ministro do Interior que eles chamam de reformador. Bem, essas novas idéias ridículas finalmente chegaram e ordens são ordens, embora cá entre nós eu lhe diga que não aprovo.”

Ainda hoje, o texto se firma como atualíssimo no cenário londrino haja vista as demonstrações de insatisfação social dos jovens e adolescentes e a resposta do poder para a solução dos conflitos.
A diferença entre o texto e a atualidade ocorre na diversidade da escolha das ações para possível solução, contudo, o capitalismo se vale da força para amordaçar o discurso proveniente da segregação social e racial encobertado e distorcido pela imprensa, conveniente, em vez da prática democrática saudável e construtiva.
O autor, Anthony Burgess, joga, sem piedade, o leitor para conviver com o abestalhado Alex no intento de fazê-lo entender a deformidade de caráter provocada por mentes vazias e desocupadas, cuja sociedade intelectualizada e “madura” demonstra incapacidade para definir políticas não excludentes.

O texto, aparentemente descomprometido, traduz uma polêmica social que mesmo os países com economias sólidas e estruturadas não conseguem elaborar e implantar políticas alternativas voltadas para a inclusão social.
Alex diz: “- Eu, eu, eu. Eu? Onde é que eu entro nisso tudo? Será que eu sou apenas uma espécie de animal ou cão? – E isso fez com que eles começassem a govoretar (falar) ainda mais alto e lançar slovos (palavras) para mim. Então eu krikei (gritei) mais alto, ainda krikando (gritando): - Será que eu serei apenas uma laranja mecânica?

Informações sobre o autor –  Anthony Burgess nasceu em Manchester em 1917. Formou-se em Inglês pela Universidade de Manchester, serviu no Exército e, entre 1954 e 1966, trabalhou como professor junto ao Serviço Colonial britânico na Malásia. Foi neste período que começou sua carreira literária.  Ao retornar a Inglaterra, recebeu a notícia de que tinha um tumor no cérebro: os dois médicos lhe deram no máximo um ano de vida. Mudou-se para a cidade costeira de Hove, no sul da Inglaterra, com a intenção de escrever vários livros para que os direitos autorais pudessem ajudar no sustento de sua esposa depois de sua morte. Mas, o diagnóstico estava errado, e Burgess viveu até 76 anos.

Referência bibliográfica
Burgess, Anthony  – 1955
Laranja Mecânica / Anthony Burgess; tradução Fábio Fernandes.
-São Paulo: Aleph, 2004.
Título original: A clockwork orange.
199p.
ISBN 978-85-7657-003-5
1. Ficção inglesa - I. Título.


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domingo, 19 de junho de 2011

Servidão Humana – William Somerset Maugham

O garoto Philip, aleijado de um pé, fica órfão. Seu tio Carey, irmão de sua mãe e seu padrinho passa a cuidar dele. A partir de então convive em uma família impregnada de conceitos morais e dogmas religiosos que terminam por conduzi-lo a uma formação rigorosa que o leva a rechaçar.
A falta de independência financeira, já que não tinha idade para gerir a pequena herança deixada pelo pai, inibe as suas escolhas e com isso advém o sofrimento.
Encaminhado a uma escola para formação básica é discriminado devido à deformidade. Rogou a Deus para curá-lo e como suas preces não foram atendidas acreditou que a sua fé não era suficientemente forte para merecer a atenção divina.

Philip decide ir à Alemanha e ao retornar a Inglaterra encontra uma hospede na casa dos tios, miss Wilkinson filha de um vigário, com a qual teve um relacionamento, apesar da diferença de idade entre eles.
Contra a sua vontade, o protagonista é encaminhado para Londres com aprendiz de contador, sente-se sozinho e teve um desempenho desastroso. Acreditando na sua capacidade artística, resolve mudar-se para Paris e matricular-se em um ateliê de pintura, contudo, também, não logrou sucesso.

Em Paris, conhece miss Price que o leva a ver obras de pintores famosos. Ao ser conduzido para apreciar “Gare St. Lazare”, o famoso quadro de Monet que representa uma estação de trem, Philip comenta com a amiga que os trilhos não estão paralelos. Price, por sua vez, responde: “Que importância tem isso?” O autor vale-se desta citação para criticar a filosofia cartesiana e mostrar que os artistas apreciam o mundo de forma diferente das pessoas comuns.
Ainda em Paris, Philip conhece o poeta Cronshow e debatem sobre a moral abstrata e a ética.  Enquanto o protagonista defendia comportamentos morais o poeta rechaçava a sua prática induzindo-o a perceber que a moral não passa de receio à punição social.

Philip desiste de ser pintor e retorna a Londres com o objetivo de estudar medicina, a mesma profissão do pai. Conhece a deselegante garçonete Mildred pela qual se apaixona: “Aquele amor era um tormento e Philip se ressentia amargamente da sujeição em que ele o mantinha. Estava prisioneiro e suspirava pela liberdade.” O autor cria esta relação para mostrar a dificuldade de aceitação, por uma das partes, em reconhecer o relacionamento fora dos padrões de beleza, moral, ética e elegância. Duas pessoas díspares, ao extremo, sendo que uma se apaixona fervorosamente pela outra mesmo sabendo que os seus valores não coadunam. Philip joga todas as suas cartas na relação com Mildred, apesar de sua exigência quanto à beleza:Estaria privado de gozar todos os prazeres que se lhe ofereciam por causa de um defeito de visão que parecia exagerar tudo quanto havia de revoltante?Aqui, o autor usa “defeito de visão” no sentido do comportamento frente às relações pessoais.

Depois de Mildred, Philip teve um relacionamento insosso com a escritora Norah, boa interlocutora, jovem, inteligente e de natureza delicada. Conheceu o jornalista Athelmy e, apesar de não esperar que as pessoas lhe mostrassem bondade, a visita a sua residência lhe rendeu uma convivência duradora e harmoniosa. Esta relação o ajudou a desvencilhar-se do imbróglio que esteve metido.

Maugham cita sobre as dependências nos relacionamentos: “Uma coisa curiosa da vida é que, depois de ver uma pessoa todos os dias, durante meses, a gente se lhe torna tão íntima que não pode imaginar a existência sem ela; mas vem a separação e tudo prossegue de idêntica maneira, de sorte que a companhia que parecia essencial revela-se desnecessária.” Diz sobre a busca incessante da felicidade: “A vida se lhe afigurará horrível quando medida pelo padrão da felicidade, mas agora tinha a impressão de ganhar forças ao descobrir que ela podia ser aferida por outros padrões.” E mostra que em momentos de dificuldade as mesmas pessoas que recriminam comportamentos imorais e antiéticos desejam praticá-los como alternativa para saída daquela situação. Assim, Maugham, inclui a vítima Philip, também, como estrategista mental para antecipar a morte do tio e se beneficiar do seu patrimônio. Lembrando que: (...) a falta de dinheiro torna o homem mesquinho, vil e avarento; deforma-lhe o caráter o faz olhar o mundo por um prisma vulgar.”

O autor ensina que as pessoas nos vêem de forma diferente da que imaginamos e que o perdão é a saída para minorar o sentimento de inferioridade e injustiça. Chama a atenção para a manipulação nas relações humanas de forma que as pessoas busquem suas verdadeiras necessidades sem deixar-se influenciar por opiniões não fundamentadas nas necessidades individualizadas. A felicidade pode ser encontrada em ações simples, sem projetos mirabolantes e intermináveis. Ensina que o amor não necessita navegar por grandes emoções. Por fim, ainda com sentimento de inferioridade, Philip diz a Sally, filha de Athelmy: “Como é que você pode gostar de mim? - Sou insignificante, aleijado, comum e feio. Ela tomou-lhe a face com as duas mãos e beijou-lhe os lábios – Você é um bobalhão, isso é o que você é.”

A obra, apesar de extensa e rica em detalhes, não cansa o leitor, ao contrário, se finda as 676 páginas com vontade de continuar lendo. O pouco de ficção contido no texto não descaracteriza a autobiografia que figura entre as obras mais importantes da literatura mundial.

Informações sobre o autor – William Somerset Maugham nasceu em Paris, em 1874. Sexto filho do procurador da embaixada britânica, sua primeira língua foi o francês. Ficou órfão aos dez anos, quando o mandaram para a Inglaterra para viver com o seu tio, vigário de Whitestable.  Formou-se em medicina e abandonou a carreira após o sucesso de seus primeiros romances e peças teatrais. Escreveu O pecado de Liza (1897), Servidão Humana (1915), O fio da navalha (19441), Uma dama na Malásia (1932), Histórias dos mares do Sul (1936), Férias de Natal (1939), Véu Pintado (1925), O destino de um homem (1930), dentre outros. Sofria de disfemia e foi ridicularizado na Inglaterra, pelos colegas de escola, por não falar bem o inglês. Tinha baixa estatura. Maugham viveu em desgraça, tanto na comunidade religiosa do tio, como na escola, onde era maltratado por companheiros. Tal fato fez com que desenvolvesse a habilidade de fazer observações sarcásticas daqueles que o enfureciam.

Referência bibliográfica
Maugham, W. Somerset, 1874 – 1965.
676p.
Servidão humana / W. Somerset Maugham ; tradução Antônio Barata; prefácio Carlos Vogt. 10.ed.rev. – São Paulo: Globo, 2005.
Tíyulo original: Of human bondage
ISBN  85-250-3877-2
1. Romance inglês I.Vogt, Carlos. II. Título.


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sábado, 14 de maio de 2011

Travessuras da menina má - Mario Vargas Llosa

De um lado um amor sem limites, do outro uma ambição desmedida e inconsequente. Assim, Mario Vargas Llosa constrói a brilhante história de Ricardo Somocurcio e Otilia.
A canalhice, normalmente praticada pelos homens nas relações amorosas, é colocada, desta vez, na figura feminina e, ao que parece, apesar das ações desprezíveis recheadas com toque de carinho verbal, leva o leitor a não odiar a personagem.
Otilia muda de nome como camaleão muda de cor para praticar as safadezas. Ricardo, por sua vez, não consegue entendê-la. Percebe-se que as aventuras da menina má deixam de ser uma necessidade para transformar-se em aberração de caráter: vai ao encontro do risco por necessidade de sofrimento. Sofrer era não se aventurar. Sujeitar-se ao risco era uma forma de punir-se. O autor nos remete para a prática da tolerância, do amor desmedido e da aceitação dos diferentes. Mostra que a opção de vida escolhida pelo indivíduo é como uma flecha lançada, na maioria das vezes não tem volta.

O leitor censura a menina má e, ao mesmo tempo, deseja que alguma coisa de normal aconteça.
A aventura começa com a chilenita Lily, depois veio a camarada Arlete, madame Robert Arnoux, Mrs. Richndson e Kuriko. Todos elegeriam madame Somocurcio com favorita, mas, a aventura exalava da pele da menina má como nicotina evapora do corpo de um fumante.

Mario Vargas Llosa se aproveita da menina má para oferecer um cenário sociopolítico vivido no Peru. Migram os personagens para a França, país símbolo da democracia, para Cuba, na busca de justiça social e  para a Inglaterra reverenciando os movimentos culturais das décadas 60 a 80. A tortura sofrida pela menina má, no Japão, serve de alusão ao regime implantado no Peru pelo ex-presidente, Fujimori, que também possui cidadania japonesa.
Llosa, chama a atenção para a adoção de menores e exalta a prática como uma decisão a ser tomada sem preconceito. A criança vietnamita incapaz de falar, adotada por um casal amigo de Ricardo,  começa a balbuciar a partir do momento que atende ao telefone da menina má. Este tema adoça a carapaça da aventureira, mostra que perdas, carências sociais e afetivas podem ser superadas através da atenção para com o próximo. Lembra que o bem e o mal estão no mesmo indivíduo e nos compete à escolha por um ou outro. 

O texto apresenta uma aventura descomunal e oferece um aprendizado digno da experiência do grande escritor, Mario Vargas Llosa. A leitura é imperdível!

Informações sobre o autor – Mario Vargas Llosa é jornalista, dramaturgo, ensaísta, crítico literário e escritor consagrado internacionalmente. Nascido em Arequipa, no Peru, em 1936, ganhou notoriedade literária com a publicação do romance A cidade e os cachorros (1961). Mudou-se para Paris nos anos 60 e lecionou em diversas universidades americanas e européias, ao longo dos anos. Publicou Conversa na catedral, Pantaleão e as visitadoras, Tia Júlia e o escrevinhador, A guerra do fim do mundo, Quem matou Palomino Molero? Cartas a um jovem escritor. Recebeu os prêmios Cervantes, Príncipe das Astúrias. Foi candidato derrotado à presidência do Peru, em 1990, perdendo a eleição para Alberto Fugjimori..

Referência bibliográfica

Vargas Llosa, Mario
Travessuras da menina má / Mario Vargas Llosa ; tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht..
302p.
Tradução de: Travessuras de la niña mala.
ISBN  85-7302-808-4
Romance peruano. I.Roitman, Ari, paulina. II. Título.


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sábado, 30 de abril de 2011

O retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde

No século dezenove, um rapaz da alta sociedade inglesa teve o seu retrato pintado por um artista que considerava a obra sua mais importante criação. Ao deparar-se com o retrato, o jovem Dorian Gray encantou-se com a própria beleza e o pintor Basil Hallward e o nobre Henry Wotton encarregaram-se de instigar o seu ego.
Dorian declara: “Que coisa profundamente triste (...) eu ficarei velho, aniquilado, hediondo!... Esta pintura continuará sempre fresca. Nunca será vista mais velha do que hoje, neste dia de junho... Ah! Se fosse possível mudar os destinos; se fosse eu quem devesse conservar-me novo e se essa pintura pudesse envelhecer! Por isso eu daria tudo!... Não há no mundo que eu não desse... Até minha alma!...”

Convicto do que disse, Dorian Gray pactuou com o diabo e manteve-se jovem e belo enquanto o seu retrato envelhecia. Basil Hallward apaixonou-se pelo jovem e disputou com o amigo Henry Wotton a atenção sua atenção.
A beleza do protagonista encantava a todos e lhe permitia usufruir de privilégios a ponto de manter vários e extravagantes relacionamentos amorosos. Certa noite, convidado por um empresário de segunda categoria, adentrou em um teatro e se deparou com Sibyl Vane, pobre e desconhecida atriz, pela qual terminou se apaixonando.  Decidido a casar-se com ela, convidou os amigos Basil e Henry para vê-la representar e, surpreendentemente, após a sua péssima participação na peça, veio o desapontamento que resultou no rompimento da relação. Em seguida, ocorreu um episódio que interferiu na vida do egocêntrico protagonista.

Enquanto o misterioso retrato envelhecia, em consequência do pacto feito com o demônio, o excêntrico protagonista permanecia jovem e levava a vida desregrada a ponto de aniquilar com o autor da obra e romper com o nobre Henry Wotton.

Oscar Wilde, chamar a atenção para os enganos sociais que enaltece os valores estéticos em detrimento da moral e da ética. Mostra, com sutileza, a natureza como ela é ao findar o texto com a seguinte frase: “No assoalho, jazia um homem morto, trajado a rigor com um punhal no coração!... Seu semblante estava macerado, enrugado e repelente!... Somente pelos anéis, conseguiriam reconhecer quem era...”  

O texto publicado em 1890, na Inglaterra, permanece atual e rico de ensinamentos. O único romance de Oscar Wilde não foi bem recebido, à época, devido às insinuações homossexuais. Este fato o levou à prisão. O rígido e insalubre sistema carcerário consumiu a sua saúde e, após três anos da sua soltura, veio a falecer. 

Informações sobre o autor – Oscar Fringall O’Flahertie Wilde, destacou-se desde a infância pelo seu brilhantismo e pelo comportamento excêntrico. Aos vinte anos, foi estudar na Inglaterra, onde ficou conhecido pela intensa e extravagante atividade social. Sua literatura propunha uma renovação de valores e comportamentos. Escreveu diversas peças de teatro, entre elas Salomé (1891), Uma mulher sem importância (1893), A importância de ser prudente (18895). O retrato de Dorian Gray é o seu único romance e sua obra mais conhecida.

Referência bibliográfica
Wilde, Oscar, 1854 - 1900
O retrato de Dorian Gray / Wilde, Oscar 1854 – 1900.
252p.
Tradução de: João do Rio – São Paulo: Hedra ; 2009 Biografia.
ISBN  85-7715-011-9
Literatura inglesa. I. Ficção


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sexta-feira, 15 de abril de 2011

O filho eterno – Cristovão Tezza

Um reboliço foi criado na vida do casal ao ser informado, pelo médico, que o filho Felipe era portador de trissomia do cromossomo 21. Este fato indicava alterações genéticas que influenciaram no fenótipo, no comportamento, na saúde e na expectativa de vida do bebê.

O filho eterno, narrado por Cristovão Tezza, mostra o conflito mental de um pai, despreparado e inseguro, incapaz para compartilhar da vida de um filho que adquiriu uma herança genética que o remeteu a comportamentos díspares da maioria dos indivíduos.
A insegurança para enfrentar uma sociedade preconceituosa, despreparada e não adaptada para atender às necessidades dos diferentes, mudou o plano de vida do pai. Em alguns momentos preferia negar a realidade, em outros compartilhava do arrastado desenvolvimento do filho.

O autor revela os sentimentos dos transtornos causados quando do nascimento do filho, por ocupar os espaços de seus relacionamentos, por drenar as suas economias, instaurar a insegurança e afastar o pai da mãe, sem criar nenhuma expectativa compensatória:
“E no caso dele, ele pensa – e quando pensa acende outro cigarro -, a troco de nada. Para dizer as coisas claramente, esta criança não lhe dará nada em troca. Sequer aquele prazer mesquinho, mas razoável, de mostrá-lo aos outros como um troféu (...)”    

Em outros momentos aparece o relato de possível compensação na relação com o filho:
“Ainda não existe um filho na sua vida; existe só um problema a ser resolvido, e agora lhe deram um mapa interessantíssimo, quase um manual de instruções. Por trás desse pequeno milagre, começa a aparecer um detalhe sutil sobre o qual ele não pensou ainda: motivação.”

O audacioso romance revela sentimentos e conflitos de uma pessoa despreparada para assumir as vicissitudes da vida, a insegurança de enfrentar o desconhecido e trilhar por caminhos difíceis. Revela, ainda, a necessidade de continuar na labuta, aprendendo a renovar as energias para o próximo momento, sem esperança de mudanças significativas. Motivar-se em busca do pouco, do quase nada, da aceitação do diferente ao qual lhe foi doado sua carga genética, na esperança, mesmo que remota, de que um dia a ciência possa mudar o que a natureza não contribuiu para a normalidade.

O texto desperta para a dificuldade de pais que convivem com filhos detentores de doenças congênitas e mostra a necessidade do entendimento da problemática que grande parte da sociedade insiste ignorar.

Informações sobre o autor –  Cristovão Tezza nasceu em Lages, Santa Catarina. É considerado um dos mais importantes autores brasileiros contemporâneos, é também colunista do jornal Folha de São Paulo e cronista da Gazeta do Povo, de Curitiba. Publicou, entre outros, os romances Trapo, O fantasma da infância, Aventuras provisórias, Breve espaço entre cor e sombra.

Referência bibliográfica
Tezza, Cristovão, 1952 -
O filho eterno / Cristovão Tezza – Rio de Janeiro: Record, 2010.
222p.
ISBN 978-85-01-07788-2
1. Romance brasileiro - I. Título


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quinta-feira, 31 de março de 2011

Cartas Anônimas – Fernando Vita

A divertidíssima história de uma cidade, que de fictícia só tem o nome, contada por Fernando Vita, registra fatos ocorridos quando o autor, ainda adolescente, ouviu e acompanhou o desenrolar de boatos que serviram para ocupar os desocupados e irritar os que, de alguma forma, cometiam deslizes, deixavam escapar sentimentos amorosos ou preferências sexuais.
Muito pouco do que eu me recorde passou despercebido pelo autor. O texto escrito em linguagem direta, com citações comuns em mesas de bar de províncias a exemplo da que serviu de palco para desenrolar a narrativa, não agride os tímpanos do leitor devido à habilidade do autor em contar os fatos de forma hilária e desprovidos de ofensa.
Cada caso se desenvolve de maneira única e terminam se entrelaçando. As cartas anônimas apresentadas como simples fotografias se transformam, no decorrer do texto, em um engraçado filme.
O romance coloca a belíssima e desejada Boneca no centro de um contexto, fruto do imaginário do autor. Afinal, diz ele tratar-se de uma ficção...
Na cidade desprovida de heróis, citado por Vita, a bem da verdade existiu um, faça-se justiça, o pai de  Chebeu, um dos estafetas citados no texto. O emprego federal concedido a Chebeu nos Correios e Telégrafos se deu ao fato do seu pai ter participado na Segunda Guerra Mundial.
O juiz Efraim, o grão-mestre Clinésio, Nadinho da Jegra, tenente Ludovico, e Teófilo que tinha por profissão ser marido da professora, adornam a história de forma espirituosa. Esse último, ao ser apresentado às pessoas dizia: “– Sinta em suas partes os meus prazeres! Teófilo Amândio, seu criado, marido da professora Dina Gazinha, às suas ordens.” O autor, também, não deixou escapar a Madre Rosário, encarregada do convento que abrigava a jovem, bela e radiante Madre Maria Goretti,  respeitadas obreiras educacionais.

As cartas anônimas chamavam a atenção dos desocupados que amavam comentar sobre a vida alheia. Os conteúdos saíam dos papéis e circulavam de boca em boca acrescidos da imaginação e do azedume de quem os repicavam.

Há que perdoar os habitantes de Todavia (SAJ), afinal, nada se tinha a fazer à época. O gerador que iluminava a cidade era desligado às vinte horas e na calada das noites enluaradas os cantores, tocadores, bêbados, políticos, poetas de meia tigela, desocupados por falta de trabalho e opções de lazer se encontravam nos bancos de jardins, botecos e puteiros - iluminados por candeeiros Aladim - para comentarem sobre vidas de muitos que dormiam e de outros que perdiam o sono por terem seus nomes incluídos em muitas das Cartas Anônimas.

O livro, rico em humor, traz uma linguagem simples a exemplo dos moradores da antiga província. Sem dúvida, é uma leitura divertidíssima para não dizer imperdível! O risco é despertar, nos atuais moradores, a  antiga prática das Cartas Anônimas...

Informações sobre o autor –  Fernando Vita nasceu em 22 de dezembro de 1948, em Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Formou-se em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia. Trabalhou no Jornal da Bahia como repórter, editor e crítico musical. Foi repórter freelance do Jornal do Brasil e das revistas Veja e Istoé/Senhor. Escreveu Tirem a doidinha da sala que vai começar a novela. Recebeu o Prêmio Braskem Cultura e Arte.

Referência bibliográfica
Vita, Fernando
Cartas Anônimas: uma hilariante história de intrigas, paixão e morte / Fernando Vita. – São Paulo. Geração Editorial, 2011.
181p.
ISBN 978-85-61501-60-0
1. Ficção brasileira - I. Título.

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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Reparação – Ian McEwan


Cecilia Tallis, filha de uma família inglesa, cresceu em companhia do filho da faxineira e, sem perceber claramente, termina se envolvendo emocionalmente. Sua irmã, adolescente, Briony Talles, tinha a pretensão de se tornar escritora, presenciou dois fatos que culminaram no desenrolar de uma história falsa, abrangente e capaz de prejudicar as relações familiares.
Além do preconceito social que abarca a narrativa, a distorção dos fatos refletiu sobre o destino das famílias e teve como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, que proporcionou o nivelamento dos protagonistas e os colocou em situações de equivalência.
O afastamento familiar e a contingência política, provocado não só pela situação de conflito, mas, também pela necessidade da individualização e conduta no anseio de uma reparação, tardou acontecer e ajudou a desenvolver a grandiosidade da história.
Cecilia não abriu mão do injustiçado Robbie Tuner, filho da faxineira. Abandona a família e vai ao seu encontro. Briony, por sua vez, resolve assumir o seu erro e surpreende o leitor ao revelar o nome do verdadeiro culpado do estupro da sua prima Lola.

O texto apresenta uma qualidade estonteante, com linguagem simples e envolvente, conduz o leitor a uma história rica em conflitos com alta dose de questionamentos comportamentais que remetem ao servilismo social, capaz de distorcer fatos com versões que podem aniquilar o prazer de viver.

Informações sobre o autor –  Ian McEwan nasceu em 1948, em Aldershot, Inglaterra. Publicou duas coletâneas de contos e uma dezena de romances, entre eles A criança no tempo, O jardim de cimento, Amor para sempre, O inocente, Sábado, Na praia e Amsterdam. Conquistou, entre outros prêmios, o Whitbread Award, 1987, e o Booker Prize, em 1998.

Referência bibliográfica
McEwan, Ian
Reparação / Ian McEwan; tradução Paulo Henrique Brito. - São Paulo. Companhia das Letras, 2002.
444p.
Título original: Atonement.
INBN 978-85-359-0235-8
1. Romance inglês - I. Título.


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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra - Mia Couto

O jovem Mariano, protagonista da história, foi requisitado para coordenar os procedimentos, comuns às famílias moçambicanas, da morte do velho Dito Mariano. Chegando à ilha Luar-do-Chão, tomou conhecimento, de forma inusitada, dos muitos fatos ocorridos na sua ausência e outros que ajudaram a elucidar questões a respeito da sua origem.

A história, aparentemente folclórica, envereda por crenças e valores regionais que precisam ser satisfeitos para alcançar os objetivos traçados pelo personagem central, o velho Dito Mariano.
Ciente da proximidade de sua morte, Dito Mariano, se faz de morto e orienta o jovem através de escritos que lhes são apresentados nas mais variadas situações.
Os procedimentos a serem cumpridos e as revelações de fatos da sua história envolve o protagonista, do início ao fim do texto.
Além dos rituais exigidos, o jovem foi obrigado a assumir importantes tarefas para salvaguardar a cultura local e as tradições familiares, que entravam em contradição com políticas progressistas.

As observações sobre a natureza se revelam a cada momento com ditos populares, próprios de um povo simples, porém, posseira de sabedoria: “O rio é como o tempo! Nunca houve princípio, concluía. O primeiro dia surgiu quando o tempo já há muito se havia estreado. Do mesmo modo, é mentira haver fonte do rio. A nascente é já o vigente rio, a água em flagrante exercício. O rio é como uma cobra que tem a boca na chuva e a calda no mar.” Com este linguajar o autor constrói a história de um povo e nela se inclui.

O texto é leve e curioso. O leitor que se deixar envolver na fala da ilha Luar-do-Chão, certamente, terá oportunidade de experimentar uma cultura enraizada em fundamentos onde a natureza é a essência da própria existência: “Desde o funeral que não pára de chover. Nos campos, a água é tanta que os charcos se cogumelam, aos milhares. Poeiras brancas ondulam à tona de água. Parece que a terra vomita esses pós brancos que, por descálculo, Juca Sabão teve a fatal ideia de semear. Quem disse que a terra engole sem nunca cuspir?”.

O livro aborda a história de uma família e suas crenças. Revela a natureza, na forma rudimentar. Retrata a política e seus conflitos, tangenciando a história, com foco nas possíveis consequências sociais.

Informações sobre o autor –  Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955. Estudou medicina antes de se formar em biologia. Atualmente dedica-se a estudos de impacto ambiental. Em 1999, recebeu o prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra; em 2007, o prêmio União Latina de Literaturas Românticas. Seu romance Terra Sonâmbula foi considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. O escritor publicou, entre outros: O outro pé da sereia; A varanda do frangipani; Venenos de Deus, remédio do diabo; O fio das missangas.

Referência bibliográfica
Couto, Mia – 1955
Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra/ Mia Couto - São Paulo. Companhia das Letras, 2003.
262p.
INBN 978-85-359-0343-0
1. Romance moçambicano (Português) - I. Título.


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domingo, 30 de janeiro de 2011

1984 – George Orwell

A mais renomada obra do inglês George Orwell fala de um presente no futuro. Para compreendê-la, faz-se necessário algum conhecimento histórico dos sistemas políticos filosoficamente contraditórios, porém, convergentes quanto ao totalitarismo usado na União Soviética e Alemanha. Stalin e Hitler se completavam, apoiados por grande parte da população. Os que não compartilhavam das suas idéias foram enxotados, executados, deportados, presos, ou submetidos a privações.
A obra cujo título seria 1948, ano em que foi escrita, por exigência dos editores, foi alterada para 1984. Ou seja, o presente tornou-se futuro. As observações a respeito dos acontecimentos, apresentados como ficção, resumem o descontentamento do autor a respeito da forma como o ser humano era tratado pelas grandes potências e aceitas, de forma leniente, pelos blocos geoeconômicos.

O autor critica as práticas utilizadas pelos regimes totalitários, ao enxergar o indivíduo como uma peça do jogo criado para servir ao Estado. Em várias ocasiões, o protagonista da história, Winston Smith, chama a atenção para ações que desmontam fatos reais e os apresentam com características aparentemente verdadeiras, mas não passavam de nova roupagem, utilizada para ajudar a consolidar o poder: “As vantagens imediatas de falsificar o passado eram óbvias, mas a razão profunda era misteriosa.”

O protagonista, membro do Partido, sentia-se constantemente vigiado pelas chamadas teletelas e era colocado à prova da sua concordância quanto às práticas de manipulação, opressão e tortura, usadas na manutenção do sistema político.
Para o Partido o que o indivíduo achava ou deixava de achar pouco importava, a norma devia ser seguida sem questionamentos: “O Partido não está preocupado com a perpetuação de seu sangue, mas com a perpetuação de si mesmo. Não importa quem exerce o poder, conquanto que a estrutura hierárquica permaneça imutável.”
Qualquer atitude suspeita, significava o fim do indivíduo. Alguns eram submetidos à lavagem cerebral, outros simplesmente desapareciam: “Um dia desses, pensou Winston, assaltado por uma convicção profunda, Syme será vaporizado. É inteligente demais. Vê as coisas com excessiva clareza e é franco demais quando fala. O Partido não gosta desse tipo de gente. Um dia ele vai desaparecer. Está escrito na cara dele.”

Apesar da angustia representada no texto, fruto da opressão e do controle exagerado, o autor arrumou espaço para o romantismo poético, e, descreve um ambiente onde teve um encontro íntimo com Júlia, contrariando o Partido quanto a prática sexual com prazer: “Winston avançava pelo caminho em meio a um mosqueado de luz e sombra, pisando em poças douradas sempre que os galhos das árvores se distanciavam um dos outros. Sob as árvores à esquerda, o solo era um nevoeiro de jacintos. O ar parecia beijar a pele. Era dia dois de maio. De algum lugar mais para o interior do bosque vinha o arrulho de torcazes.” 

A obra, ainda atual, chama a atenção para a vigilância dos fatos, tendências políticas e o uso do poder.

Informações sobre o autor – George Orwell nasceu em Motihari na Índia, no ano de 1903. Completou seus estudos na Universidade de Eton. Aos 19 anos entra para a Polícia Imperial Britânica. Passou muitos anos entre a Índia e a Birmânia. Revolta-se com o imperialismo inglês. Considera seu passado vergonhoso, e por isso muda seu nome. Seu nome verdadeiro é Eric Arthur Blair. Trabalha como operário de fábrica em Paris e depois como professor primário em Londres. Assim, sente pela primeira vez a opressão da classe trabalhadora. Neste contexto ele começa a escrever. Participa da Guerra Civil Espanhola em 1936, lutando ao lado do P.O.U.M. (Partido Obrero de Unificación Marxista). George Orwell era a favor das classes sociais baixas e se decepcionou com os Partidos Comunistas da época, fiéis aos ditames de Moscou. Era um anti-stalinista, não pelo socialismo, mas contra todo o tipo de totalitarismo. Escreveu "Na pior em Paris e Londres", "A flor da Inglaterra", "Dias na Birmânia", "O caminho para Wigan Pier", “A Revolução dos Bichos”, entre outros títulos.

Referência bibliográfica
Orwell, George, 1903 - 1950
1984 / George Orwell; tradução Alexandre Hubner, Heloisa jahn;  posfácio Erich Fromm, Ben Pimlott, Thomas Pynchon. – São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
414p.
Título original: 1984
INBN 978-85-359-1484-9
1. Romance inglês I – Fromm, Erich, 1900-1980. II Pemlott, Bem 1945 – 2004. III Pynchon, Thomas, 1937 - IV. Título.


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