sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A queda – Albert Camus

O texto traduz o sentimento de ansiedade, próprio do indivíduo que traz a angustia e a necessidade de ser ouvido, devido à falta de atitude que levou Jean-Baptiste Clamence, protagonista da história, a sentir culpa por não ter dado a atenção a um fato que resultou na morte de uma mulher.
A impossibilidade de retroceder no tempo e transformar a omissão em ação fez do personagem um indivíduo ansioso, a ponto de levar o autor a estruturar o texto em um monólogo, capaz de colocar o leitor na condição do interlocutor desconhecido, inoperante e absorto.

Jean-Baptiste Clamence, advogado parisiense que se denominou “juiz-penitente”, deixou o glamour da cidade após uma vasta experiência hedonista, na qual a busca do prazer e da satisfação pessoal chegou a extrapolar o sentimento egocentrista. Instalou o seu escritório, em um botequim conhecido como México-City, na cidade de Amsterdam e em companhia dos frequentadores identificava clientes potenciais.

Quase sempre, divulgava suas ideias às pessoas que conviviam no local, contudo, certo dia, elegeu um cliente do botequim México-City como ouvinte da maioria das suas angustias e inquietações.   
O monologo é composto de frases provocativas e audaciosas. Coloca o protagonista no cento da história, expondo-o à avaliação de conceitos e atitudes que evidenciam um estilo de personalidade  com tendência existencialista.

Diz o protagonista com sentimento egocentrista: “Já reparou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabaram de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam mais, que estão com a boca cheia de terra! A homenagem vem, então, muito naturalmente, essa homenagem que talvez tivesse esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há mais obrigações. Deixam-nos livres, podemos dispor do nosso tempo, encaixar a homenagem entre o coquetel e uma doce amante: em resumo, nas horas vagas. Se nos impusessem algo, seria a memória, e nós temos a memória curta. Não é o morto recente que nós amamos nos nossos amigos, o morto doloroso, a nossa emoção, enfim, nós mesmos!”

Cita a respeito da ausência de caráter: “Quanto a mim, moro no bairro judeu, ou no que era assim chamado até o momento em que nossos irmãos hitlerianos abriram espaço. Que limpeza! Setenta e cinco mil judeus deportados ou assassinados – é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem caráter, é preciso mesmo valer-se de um método.”

O monólogo traz, também, um desabafo, sofrido, de um homem que não consegue se desvencilhar do sentimento de culpa e o remete a avaliações que o incorpora no contexto  de uma sociedade individualista e pouco preocupada com uma conjuntura mais ampla. Vejamos: “Devo reconhecer humildemente, meu caro compatriota, que fui sempre um poço de vaidade. Eu, eu, eu, eis o refrão de minha preciosa vida, e que se ouvia em tudo quanto eu dizia. Só conseguia falar vangloriando-me, sobretudo quando o fazia com esta ruidosa discrição, cujo segredo eu possuía. É bem verdade que eu sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberado em relação a todos pela excelente razão de que me considerava sem igual. Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e ótimo amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era apenas um parceiro razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores. Só reconhecia em mim superioridades, o que explicava minha benevolência e serenidade. Quando me ocupava dos outros, era por pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia em meu favor: eu subia um degrau no amor que dedicava a mim mesmo.”

O livro é um ensinamento, grandioso, que só autores da estirpe de Albert Camus são capazes de levar o leitor à reflexão do comportamento humano, muitos dos quais, seus reflexos, são irreversível para si próprio e para a humanidade.

Informações sobre o autor - Albert Camus, foi escritor e filósofo, nasceu na Argélia e viveu sob o signo da guerra, da fome e da miséria. Morreu em acidente de carro em 1960. Juntamente com Jean-Paul Sartre foi um dos principais representantes do existencialismo francês. Camus afirma que as pessoas procuram incessantemente o sentido da existência numa vida que carece de sentido e na qual só é possível ganhar a liberdade e a felicidade com a rebelião. Escreveu O Mito de Sísifo (1942), O Estrangeiro (1942), A Peste (1947), O Estado de Sítio (1948), Os Justos (1949). Foi-lhe atribuído o Prêmio Nobel da Literatura em 1957.

Referência bibliográfica
Camus, Albert, 1913-1960
A queda  / Albert Camus; tradução de Valerie Rumjanek. - 16ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
114p.
Tradução de: La chute
ISBN 987-85-01-01284-5
Romance francês. I. Rumjanek, Valerie. II.Título

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Notícia de um sequestro – Gabriel García Marquez

O autor consegue informar as nuances de uma guerra produzida pelo mais famoso traficante de drogas colombiano, Pablo Emilio Escobar Gaviria. Sem perder o contexto político da história o texto esmiúça o drama de cada personagem sem se importar em que lado ele se encontra. Em muitos momentos o bem e o mal andam de mãos dadas na busca do entendimento racional do contexto que estão submetidos.
A história toma rumos que parece satisfazer aos envolvidos, mas logo depois, os sequestrados, seus familiares e o governo vislumbram um caminho que parece sem volta.
Sem propósito surge o padre García Herreros que se ofereceu para ajudar a intermediar as negociações, e, ao lado de Alberto Villamizar Cárdenas, marido de Maruja Pachón, uma das sequestradas, articula entendimentos para a rendição de Escobar, que por sua vez se esconde atrás dos chamados Extraditáveis para não assumir diretamente os crimes.
Afinal, a luta pela aprovação, na Assembléia Constituinte já infiltrada pelo narcotráfico, da proibição da extradição dos traficantes para os Estados Unidos, após a rendição, era o ponto chave das negociações.
Decidido a não extradição, Escobar se entrega e os que sobreviveram aos sequestros voltaram à rotina da vida com os seus traumas e as suas experiências.

O livro mostra o absurdo da guerra entre o poder constituído e o domínio do tráfico de drogas, a dificuldade de um país em manter os valores sociais e políticos além do sofrimento dos sequestrados, vítimas de uma situação que não contribuíram para ocorrer.

O autor, conhecido como excelente ficcionista, constrói um texto informativo robusto e sem tendências. Relata o ocorrido sem tomar partido e deixa para o leitor a análise do contexto. O fim de Pablo Escobar é conhecido, portanto, não há surpresa, até porque o texto não se propõe a levar o leitor a um final desconhecido, mas participar da emoção e da angustia dos sequestrados, dos seus familiares, do governo e do caminho sem volta de um dos traficantes mais conhecido no mundo.

Informações sobre o autor – O escritor colombiano, Gabriel José García Márquez, apelido Gabo, nasceu em 1928 na aldeia de Aracataca, na Colômbia. Cedo abandonou a casa dos pais e trabalhou em diferentes empregos. Fez seus estudos em Barranquilla e chegou a iniciar o curso de direito em Bogotá, época em que publicou seu primeiro conto. Exerceu o jornalismo em Cartagema, Barranquilla e no El Esplendor, de Bogotá. Foi correspondente das Nações Unidas em Nova York. Recebeu Prêmio Nobel de literatura por sua obra que entre muitos outros livros inclui “Cem anos de Solidão”.

Referência bibliográfica
García Márquez, Gabriel, 1928 -
Notícia de um sequestro / Gabriel García Márquez; tradução Eric Nepomuceno. - Rio de Janeiro: Record, 1996.
336p.
Tradução de: Noticia de un secuestro
INBN85-01-04694-9
1. Novela colombiana. I. Nepomuceno, Eric, 1948. II. Título.