domingo, 19 de junho de 2011

Servidão Humana – William Somerset Maugham

O garoto Philip, aleijado de um pé, fica órfão. Seu tio Carey, irmão de sua mãe e seu padrinho passa a cuidar dele. A partir de então convive em uma família impregnada de conceitos morais e dogmas religiosos que terminam por conduzi-lo a uma formação rigorosa que o leva a rechaçar.
A falta de independência financeira, já que não tinha idade para gerir a pequena herança deixada pelo pai, inibe as suas escolhas e com isso advém o sofrimento.
Encaminhado a uma escola para formação básica é discriminado devido à deformidade. Rogou a Deus para curá-lo e como suas preces não foram atendidas acreditou que a sua fé não era suficientemente forte para merecer a atenção divina.

Philip decide ir à Alemanha e ao retornar a Inglaterra encontra uma hospede na casa dos tios, miss Wilkinson filha de um vigário, com a qual teve um relacionamento, apesar da diferença de idade entre eles.
Contra a sua vontade, o protagonista é encaminhado para Londres com aprendiz de contador, sente-se sozinho e teve um desempenho desastroso. Acreditando na sua capacidade artística, resolve mudar-se para Paris e matricular-se em um ateliê de pintura, contudo, também, não logrou sucesso.

Em Paris, conhece miss Price que o leva a ver obras de pintores famosos. Ao ser conduzido para apreciar “Gare St. Lazare”, o famoso quadro de Monet que representa uma estação de trem, Philip comenta com a amiga que os trilhos não estão paralelos. Price, por sua vez, responde: “Que importância tem isso?” O autor vale-se desta citação para criticar a filosofia cartesiana e mostrar que os artistas apreciam o mundo de forma diferente das pessoas comuns.
Ainda em Paris, Philip conhece o poeta Cronshow e debatem sobre a moral abstrata e a ética.  Enquanto o protagonista defendia comportamentos morais o poeta rechaçava a sua prática induzindo-o a perceber que a moral não passa de receio à punição social.

Philip desiste de ser pintor e retorna a Londres com o objetivo de estudar medicina, a mesma profissão do pai. Conhece a deselegante garçonete Mildred pela qual se apaixona: “Aquele amor era um tormento e Philip se ressentia amargamente da sujeição em que ele o mantinha. Estava prisioneiro e suspirava pela liberdade.” O autor cria esta relação para mostrar a dificuldade de aceitação, por uma das partes, em reconhecer o relacionamento fora dos padrões de beleza, moral, ética e elegância. Duas pessoas díspares, ao extremo, sendo que uma se apaixona fervorosamente pela outra mesmo sabendo que os seus valores não coadunam. Philip joga todas as suas cartas na relação com Mildred, apesar de sua exigência quanto à beleza:Estaria privado de gozar todos os prazeres que se lhe ofereciam por causa de um defeito de visão que parecia exagerar tudo quanto havia de revoltante?Aqui, o autor usa “defeito de visão” no sentido do comportamento frente às relações pessoais.

Depois de Mildred, Philip teve um relacionamento insosso com a escritora Norah, boa interlocutora, jovem, inteligente e de natureza delicada. Conheceu o jornalista Athelmy e, apesar de não esperar que as pessoas lhe mostrassem bondade, a visita a sua residência lhe rendeu uma convivência duradora e harmoniosa. Esta relação o ajudou a desvencilhar-se do imbróglio que esteve metido.

Maugham cita sobre as dependências nos relacionamentos: “Uma coisa curiosa da vida é que, depois de ver uma pessoa todos os dias, durante meses, a gente se lhe torna tão íntima que não pode imaginar a existência sem ela; mas vem a separação e tudo prossegue de idêntica maneira, de sorte que a companhia que parecia essencial revela-se desnecessária.” Diz sobre a busca incessante da felicidade: “A vida se lhe afigurará horrível quando medida pelo padrão da felicidade, mas agora tinha a impressão de ganhar forças ao descobrir que ela podia ser aferida por outros padrões.” E mostra que em momentos de dificuldade as mesmas pessoas que recriminam comportamentos imorais e antiéticos desejam praticá-los como alternativa para saída daquela situação. Assim, Maugham, inclui a vítima Philip, também, como estrategista mental para antecipar a morte do tio e se beneficiar do seu patrimônio. Lembrando que: (...) a falta de dinheiro torna o homem mesquinho, vil e avarento; deforma-lhe o caráter o faz olhar o mundo por um prisma vulgar.”

O autor ensina que as pessoas nos vêem de forma diferente da que imaginamos e que o perdão é a saída para minorar o sentimento de inferioridade e injustiça. Chama a atenção para a manipulação nas relações humanas de forma que as pessoas busquem suas verdadeiras necessidades sem deixar-se influenciar por opiniões não fundamentadas nas necessidades individualizadas. A felicidade pode ser encontrada em ações simples, sem projetos mirabolantes e intermináveis. Ensina que o amor não necessita navegar por grandes emoções. Por fim, ainda com sentimento de inferioridade, Philip diz a Sally, filha de Athelmy: “Como é que você pode gostar de mim? - Sou insignificante, aleijado, comum e feio. Ela tomou-lhe a face com as duas mãos e beijou-lhe os lábios – Você é um bobalhão, isso é o que você é.”

A obra, apesar de extensa e rica em detalhes, não cansa o leitor, ao contrário, se finda as 676 páginas com vontade de continuar lendo. O pouco de ficção contido no texto não descaracteriza a autobiografia que figura entre as obras mais importantes da literatura mundial.

Informações sobre o autor – William Somerset Maugham nasceu em Paris, em 1874. Sexto filho do procurador da embaixada britânica, sua primeira língua foi o francês. Ficou órfão aos dez anos, quando o mandaram para a Inglaterra para viver com o seu tio, vigário de Whitestable.  Formou-se em medicina e abandonou a carreira após o sucesso de seus primeiros romances e peças teatrais. Escreveu O pecado de Liza (1897), Servidão Humana (1915), O fio da navalha (19441), Uma dama na Malásia (1932), Histórias dos mares do Sul (1936), Férias de Natal (1939), Véu Pintado (1925), O destino de um homem (1930), dentre outros. Sofria de disfemia e foi ridicularizado na Inglaterra, pelos colegas de escola, por não falar bem o inglês. Tinha baixa estatura. Maugham viveu em desgraça, tanto na comunidade religiosa do tio, como na escola, onde era maltratado por companheiros. Tal fato fez com que desenvolvesse a habilidade de fazer observações sarcásticas daqueles que o enfureciam.

Referência bibliográfica
Maugham, W. Somerset, 1874 – 1965.
676p.
Servidão humana / W. Somerset Maugham ; tradução Antônio Barata; prefácio Carlos Vogt. 10.ed.rev. – São Paulo: Globo, 2005.
Tíyulo original: Of human bondage
ISBN  85-250-3877-2
1. Romance inglês I.Vogt, Carlos. II. Título.


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