sábado, 13 de agosto de 2011

Laranja Mecânica – Anthony Burgess

O texto, escrito em 1962, conta a história de um adolescente que vive na cidade de Londres.   O autor cria uma sociedade futurista na qual a violência atinge proporções gigantescas, exaladas nas mais diversas formas, inclusive na prática de roubos, estupros, espancamentos e assassinatos.
A violência praticada sem uma causa perceptível foi enfrentada, pelo governo, de forma totalitária. 

Anthony Burgess utiliza uma linguagem curiosa, carregada de gírias nadsat, com palavras rimadas, exigindo do leitor o seu aprendizado para remetê-lo ao centro do contexto, para vivenciar a história. O insere como observador na gangue comandada pelo idiota Alex que tem a companhia dos não menos retardados Pete, Georgie e Tosko.

Na maioria, as vítimas da gangue são os idosos e intelectuais. A escolha pode ter sido proposital para consagrar frustrações relacionadas à intelectualidade socialista e a ausência de práticas familiares apropriadas ao bem-estar dos jovens.

A solução encontrada pelo governo para combater as ações de Alex, não se caracterizou como menos hostil. “O diretor olhou para mim com uma cara muito cansada e disse:- Acho que você não sabe quem era aquele hoje de manhã, sabe 6655321? – E, sem esperar que eu dissesse não, ele disse: - Ninguém menos que o Ministro do Interior, o novo Ministro do Interior que eles chamam de reformador. Bem, essas novas idéias ridículas finalmente chegaram e ordens são ordens, embora cá entre nós eu lhe diga que não aprovo.”

Ainda hoje, o texto se firma como atualíssimo no cenário londrino haja vista as demonstrações de insatisfação social dos jovens e adolescentes e a resposta do poder para a solução dos conflitos.
A diferença entre o texto e a atualidade ocorre na diversidade da escolha das ações para possível solução, contudo, o capitalismo se vale da força para amordaçar o discurso proveniente da segregação social e racial encobertado e distorcido pela imprensa, conveniente, em vez da prática democrática saudável e construtiva.
O autor, Anthony Burgess, joga, sem piedade, o leitor para conviver com o abestalhado Alex no intento de fazê-lo entender a deformidade de caráter provocada por mentes vazias e desocupadas, cuja sociedade intelectualizada e “madura” demonstra incapacidade para definir políticas não excludentes.

O texto, aparentemente descomprometido, traduz uma polêmica social que mesmo os países com economias sólidas e estruturadas não conseguem elaborar e implantar políticas alternativas voltadas para a inclusão social.
Alex diz: “- Eu, eu, eu. Eu? Onde é que eu entro nisso tudo? Será que eu sou apenas uma espécie de animal ou cão? – E isso fez com que eles começassem a govoretar (falar) ainda mais alto e lançar slovos (palavras) para mim. Então eu krikei (gritei) mais alto, ainda krikando (gritando): - Será que eu serei apenas uma laranja mecânica?

Informações sobre o autor –  Anthony Burgess nasceu em Manchester em 1917. Formou-se em Inglês pela Universidade de Manchester, serviu no Exército e, entre 1954 e 1966, trabalhou como professor junto ao Serviço Colonial britânico na Malásia. Foi neste período que começou sua carreira literária.  Ao retornar a Inglaterra, recebeu a notícia de que tinha um tumor no cérebro: os dois médicos lhe deram no máximo um ano de vida. Mudou-se para a cidade costeira de Hove, no sul da Inglaterra, com a intenção de escrever vários livros para que os direitos autorais pudessem ajudar no sustento de sua esposa depois de sua morte. Mas, o diagnóstico estava errado, e Burgess viveu até 76 anos.

Referência bibliográfica
Burgess, Anthony  – 1955
Laranja Mecânica / Anthony Burgess; tradução Fábio Fernandes.
-São Paulo: Aleph, 2004.
Título original: A clockwork orange.
199p.
ISBN 978-85-7657-003-5
1. Ficção inglesa - I. Título.


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domingo, 19 de junho de 2011

Servidão Humana – William Somerset Maugham

O garoto Philip, aleijado de um pé, fica órfão. Seu tio Carey, irmão de sua mãe e seu padrinho passa a cuidar dele. A partir de então convive em uma família impregnada de conceitos morais e dogmas religiosos que terminam por conduzi-lo a uma formação rigorosa que o leva a rechaçar.
A falta de independência financeira, já que não tinha idade para gerir a pequena herança deixada pelo pai, inibe as suas escolhas e com isso advém o sofrimento.
Encaminhado a uma escola para formação básica é discriminado devido à deformidade. Rogou a Deus para curá-lo e como suas preces não foram atendidas acreditou que a sua fé não era suficientemente forte para merecer a atenção divina.

Philip decide ir à Alemanha e ao retornar a Inglaterra encontra uma hospede na casa dos tios, miss Wilkinson filha de um vigário, com a qual teve um relacionamento, apesar da diferença de idade entre eles.
Contra a sua vontade, o protagonista é encaminhado para Londres com aprendiz de contador, sente-se sozinho e teve um desempenho desastroso. Acreditando na sua capacidade artística, resolve mudar-se para Paris e matricular-se em um ateliê de pintura, contudo, também, não logrou sucesso.

Em Paris, conhece miss Price que o leva a ver obras de pintores famosos. Ao ser conduzido para apreciar “Gare St. Lazare”, o famoso quadro de Monet que representa uma estação de trem, Philip comenta com a amiga que os trilhos não estão paralelos. Price, por sua vez, responde: “Que importância tem isso?” O autor vale-se desta citação para criticar a filosofia cartesiana e mostrar que os artistas apreciam o mundo de forma diferente das pessoas comuns.
Ainda em Paris, Philip conhece o poeta Cronshow e debatem sobre a moral abstrata e a ética.  Enquanto o protagonista defendia comportamentos morais o poeta rechaçava a sua prática induzindo-o a perceber que a moral não passa de receio à punição social.

Philip desiste de ser pintor e retorna a Londres com o objetivo de estudar medicina, a mesma profissão do pai. Conhece a deselegante garçonete Mildred pela qual se apaixona: “Aquele amor era um tormento e Philip se ressentia amargamente da sujeição em que ele o mantinha. Estava prisioneiro e suspirava pela liberdade.” O autor cria esta relação para mostrar a dificuldade de aceitação, por uma das partes, em reconhecer o relacionamento fora dos padrões de beleza, moral, ética e elegância. Duas pessoas díspares, ao extremo, sendo que uma se apaixona fervorosamente pela outra mesmo sabendo que os seus valores não coadunam. Philip joga todas as suas cartas na relação com Mildred, apesar de sua exigência quanto à beleza:Estaria privado de gozar todos os prazeres que se lhe ofereciam por causa de um defeito de visão que parecia exagerar tudo quanto havia de revoltante?Aqui, o autor usa “defeito de visão” no sentido do comportamento frente às relações pessoais.

Depois de Mildred, Philip teve um relacionamento insosso com a escritora Norah, boa interlocutora, jovem, inteligente e de natureza delicada. Conheceu o jornalista Athelmy e, apesar de não esperar que as pessoas lhe mostrassem bondade, a visita a sua residência lhe rendeu uma convivência duradora e harmoniosa. Esta relação o ajudou a desvencilhar-se do imbróglio que esteve metido.

Maugham cita sobre as dependências nos relacionamentos: “Uma coisa curiosa da vida é que, depois de ver uma pessoa todos os dias, durante meses, a gente se lhe torna tão íntima que não pode imaginar a existência sem ela; mas vem a separação e tudo prossegue de idêntica maneira, de sorte que a companhia que parecia essencial revela-se desnecessária.” Diz sobre a busca incessante da felicidade: “A vida se lhe afigurará horrível quando medida pelo padrão da felicidade, mas agora tinha a impressão de ganhar forças ao descobrir que ela podia ser aferida por outros padrões.” E mostra que em momentos de dificuldade as mesmas pessoas que recriminam comportamentos imorais e antiéticos desejam praticá-los como alternativa para saída daquela situação. Assim, Maugham, inclui a vítima Philip, também, como estrategista mental para antecipar a morte do tio e se beneficiar do seu patrimônio. Lembrando que: (...) a falta de dinheiro torna o homem mesquinho, vil e avarento; deforma-lhe o caráter o faz olhar o mundo por um prisma vulgar.”

O autor ensina que as pessoas nos vêem de forma diferente da que imaginamos e que o perdão é a saída para minorar o sentimento de inferioridade e injustiça. Chama a atenção para a manipulação nas relações humanas de forma que as pessoas busquem suas verdadeiras necessidades sem deixar-se influenciar por opiniões não fundamentadas nas necessidades individualizadas. A felicidade pode ser encontrada em ações simples, sem projetos mirabolantes e intermináveis. Ensina que o amor não necessita navegar por grandes emoções. Por fim, ainda com sentimento de inferioridade, Philip diz a Sally, filha de Athelmy: “Como é que você pode gostar de mim? - Sou insignificante, aleijado, comum e feio. Ela tomou-lhe a face com as duas mãos e beijou-lhe os lábios – Você é um bobalhão, isso é o que você é.”

A obra, apesar de extensa e rica em detalhes, não cansa o leitor, ao contrário, se finda as 676 páginas com vontade de continuar lendo. O pouco de ficção contido no texto não descaracteriza a autobiografia que figura entre as obras mais importantes da literatura mundial.

Informações sobre o autor – William Somerset Maugham nasceu em Paris, em 1874. Sexto filho do procurador da embaixada britânica, sua primeira língua foi o francês. Ficou órfão aos dez anos, quando o mandaram para a Inglaterra para viver com o seu tio, vigário de Whitestable.  Formou-se em medicina e abandonou a carreira após o sucesso de seus primeiros romances e peças teatrais. Escreveu O pecado de Liza (1897), Servidão Humana (1915), O fio da navalha (19441), Uma dama na Malásia (1932), Histórias dos mares do Sul (1936), Férias de Natal (1939), Véu Pintado (1925), O destino de um homem (1930), dentre outros. Sofria de disfemia e foi ridicularizado na Inglaterra, pelos colegas de escola, por não falar bem o inglês. Tinha baixa estatura. Maugham viveu em desgraça, tanto na comunidade religiosa do tio, como na escola, onde era maltratado por companheiros. Tal fato fez com que desenvolvesse a habilidade de fazer observações sarcásticas daqueles que o enfureciam.

Referência bibliográfica
Maugham, W. Somerset, 1874 – 1965.
676p.
Servidão humana / W. Somerset Maugham ; tradução Antônio Barata; prefácio Carlos Vogt. 10.ed.rev. – São Paulo: Globo, 2005.
Tíyulo original: Of human bondage
ISBN  85-250-3877-2
1. Romance inglês I.Vogt, Carlos. II. Título.


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sábado, 14 de maio de 2011

Travessuras da menina má - Mario Vargas Llosa

De um lado um amor sem limites, do outro uma ambição desmedida e inconsequente. Assim, Mario Vargas Llosa constrói a brilhante história de Ricardo Somocurcio e Otilia.
A canalhice, normalmente praticada pelos homens nas relações amorosas, é colocada, desta vez, na figura feminina e, ao que parece, apesar das ações desprezíveis recheadas com toque de carinho verbal, leva o leitor a não odiar a personagem.
Otilia muda de nome como camaleão muda de cor para praticar as safadezas. Ricardo, por sua vez, não consegue entendê-la. Percebe-se que as aventuras da menina má deixam de ser uma necessidade para transformar-se em aberração de caráter: vai ao encontro do risco por necessidade de sofrimento. Sofrer era não se aventurar. Sujeitar-se ao risco era uma forma de punir-se. O autor nos remete para a prática da tolerância, do amor desmedido e da aceitação dos diferentes. Mostra que a opção de vida escolhida pelo indivíduo é como uma flecha lançada, na maioria das vezes não tem volta.

O leitor censura a menina má e, ao mesmo tempo, deseja que alguma coisa de normal aconteça.
A aventura começa com a chilenita Lily, depois veio a camarada Arlete, madame Robert Arnoux, Mrs. Richndson e Kuriko. Todos elegeriam madame Somocurcio com favorita, mas, a aventura exalava da pele da menina má como nicotina evapora do corpo de um fumante.

Mario Vargas Llosa se aproveita da menina má para oferecer um cenário sociopolítico vivido no Peru. Migram os personagens para a França, país símbolo da democracia, para Cuba, na busca de justiça social e  para a Inglaterra reverenciando os movimentos culturais das décadas 60 a 80. A tortura sofrida pela menina má, no Japão, serve de alusão ao regime implantado no Peru pelo ex-presidente, Fujimori, que também possui cidadania japonesa.
Llosa, chama a atenção para a adoção de menores e exalta a prática como uma decisão a ser tomada sem preconceito. A criança vietnamita incapaz de falar, adotada por um casal amigo de Ricardo,  começa a balbuciar a partir do momento que atende ao telefone da menina má. Este tema adoça a carapaça da aventureira, mostra que perdas, carências sociais e afetivas podem ser superadas através da atenção para com o próximo. Lembra que o bem e o mal estão no mesmo indivíduo e nos compete à escolha por um ou outro. 

O texto apresenta uma aventura descomunal e oferece um aprendizado digno da experiência do grande escritor, Mario Vargas Llosa. A leitura é imperdível!

Informações sobre o autor – Mario Vargas Llosa é jornalista, dramaturgo, ensaísta, crítico literário e escritor consagrado internacionalmente. Nascido em Arequipa, no Peru, em 1936, ganhou notoriedade literária com a publicação do romance A cidade e os cachorros (1961). Mudou-se para Paris nos anos 60 e lecionou em diversas universidades americanas e européias, ao longo dos anos. Publicou Conversa na catedral, Pantaleão e as visitadoras, Tia Júlia e o escrevinhador, A guerra do fim do mundo, Quem matou Palomino Molero? Cartas a um jovem escritor. Recebeu os prêmios Cervantes, Príncipe das Astúrias. Foi candidato derrotado à presidência do Peru, em 1990, perdendo a eleição para Alberto Fugjimori..

Referência bibliográfica

Vargas Llosa, Mario
Travessuras da menina má / Mario Vargas Llosa ; tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht..
302p.
Tradução de: Travessuras de la niña mala.
ISBN  85-7302-808-4
Romance peruano. I.Roitman, Ari, paulina. II. Título.


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sábado, 30 de abril de 2011

O retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde

No século dezenove, um rapaz da alta sociedade inglesa teve o seu retrato pintado por um artista que considerava a obra sua mais importante criação. Ao deparar-se com o retrato, o jovem Dorian Gray encantou-se com a própria beleza e o pintor Basil Hallward e o nobre Henry Wotton encarregaram-se de instigar o seu ego.
Dorian declara: “Que coisa profundamente triste (...) eu ficarei velho, aniquilado, hediondo!... Esta pintura continuará sempre fresca. Nunca será vista mais velha do que hoje, neste dia de junho... Ah! Se fosse possível mudar os destinos; se fosse eu quem devesse conservar-me novo e se essa pintura pudesse envelhecer! Por isso eu daria tudo!... Não há no mundo que eu não desse... Até minha alma!...”

Convicto do que disse, Dorian Gray pactuou com o diabo e manteve-se jovem e belo enquanto o seu retrato envelhecia. Basil Hallward apaixonou-se pelo jovem e disputou com o amigo Henry Wotton a atenção sua atenção.
A beleza do protagonista encantava a todos e lhe permitia usufruir de privilégios a ponto de manter vários e extravagantes relacionamentos amorosos. Certa noite, convidado por um empresário de segunda categoria, adentrou em um teatro e se deparou com Sibyl Vane, pobre e desconhecida atriz, pela qual terminou se apaixonando.  Decidido a casar-se com ela, convidou os amigos Basil e Henry para vê-la representar e, surpreendentemente, após a sua péssima participação na peça, veio o desapontamento que resultou no rompimento da relação. Em seguida, ocorreu um episódio que interferiu na vida do egocêntrico protagonista.

Enquanto o misterioso retrato envelhecia, em consequência do pacto feito com o demônio, o excêntrico protagonista permanecia jovem e levava a vida desregrada a ponto de aniquilar com o autor da obra e romper com o nobre Henry Wotton.

Oscar Wilde, chamar a atenção para os enganos sociais que enaltece os valores estéticos em detrimento da moral e da ética. Mostra, com sutileza, a natureza como ela é ao findar o texto com a seguinte frase: “No assoalho, jazia um homem morto, trajado a rigor com um punhal no coração!... Seu semblante estava macerado, enrugado e repelente!... Somente pelos anéis, conseguiriam reconhecer quem era...”  

O texto publicado em 1890, na Inglaterra, permanece atual e rico de ensinamentos. O único romance de Oscar Wilde não foi bem recebido, à época, devido às insinuações homossexuais. Este fato o levou à prisão. O rígido e insalubre sistema carcerário consumiu a sua saúde e, após três anos da sua soltura, veio a falecer. 

Informações sobre o autor – Oscar Fringall O’Flahertie Wilde, destacou-se desde a infância pelo seu brilhantismo e pelo comportamento excêntrico. Aos vinte anos, foi estudar na Inglaterra, onde ficou conhecido pela intensa e extravagante atividade social. Sua literatura propunha uma renovação de valores e comportamentos. Escreveu diversas peças de teatro, entre elas Salomé (1891), Uma mulher sem importância (1893), A importância de ser prudente (18895). O retrato de Dorian Gray é o seu único romance e sua obra mais conhecida.

Referência bibliográfica
Wilde, Oscar, 1854 - 1900
O retrato de Dorian Gray / Wilde, Oscar 1854 – 1900.
252p.
Tradução de: João do Rio – São Paulo: Hedra ; 2009 Biografia.
ISBN  85-7715-011-9
Literatura inglesa. I. Ficção


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sexta-feira, 15 de abril de 2011

O filho eterno – Cristovão Tezza

Um reboliço foi criado na vida do casal ao ser informado, pelo médico, que o filho Felipe era portador de trissomia do cromossomo 21. Este fato indicava alterações genéticas que influenciaram no fenótipo, no comportamento, na saúde e na expectativa de vida do bebê.

O filho eterno, narrado por Cristovão Tezza, mostra o conflito mental de um pai, despreparado e inseguro, incapaz para compartilhar da vida de um filho que adquiriu uma herança genética que o remeteu a comportamentos díspares da maioria dos indivíduos.
A insegurança para enfrentar uma sociedade preconceituosa, despreparada e não adaptada para atender às necessidades dos diferentes, mudou o plano de vida do pai. Em alguns momentos preferia negar a realidade, em outros compartilhava do arrastado desenvolvimento do filho.

O autor revela os sentimentos dos transtornos causados quando do nascimento do filho, por ocupar os espaços de seus relacionamentos, por drenar as suas economias, instaurar a insegurança e afastar o pai da mãe, sem criar nenhuma expectativa compensatória:
“E no caso dele, ele pensa – e quando pensa acende outro cigarro -, a troco de nada. Para dizer as coisas claramente, esta criança não lhe dará nada em troca. Sequer aquele prazer mesquinho, mas razoável, de mostrá-lo aos outros como um troféu (...)”    

Em outros momentos aparece o relato de possível compensação na relação com o filho:
“Ainda não existe um filho na sua vida; existe só um problema a ser resolvido, e agora lhe deram um mapa interessantíssimo, quase um manual de instruções. Por trás desse pequeno milagre, começa a aparecer um detalhe sutil sobre o qual ele não pensou ainda: motivação.”

O audacioso romance revela sentimentos e conflitos de uma pessoa despreparada para assumir as vicissitudes da vida, a insegurança de enfrentar o desconhecido e trilhar por caminhos difíceis. Revela, ainda, a necessidade de continuar na labuta, aprendendo a renovar as energias para o próximo momento, sem esperança de mudanças significativas. Motivar-se em busca do pouco, do quase nada, da aceitação do diferente ao qual lhe foi doado sua carga genética, na esperança, mesmo que remota, de que um dia a ciência possa mudar o que a natureza não contribuiu para a normalidade.

O texto desperta para a dificuldade de pais que convivem com filhos detentores de doenças congênitas e mostra a necessidade do entendimento da problemática que grande parte da sociedade insiste ignorar.

Informações sobre o autor –  Cristovão Tezza nasceu em Lages, Santa Catarina. É considerado um dos mais importantes autores brasileiros contemporâneos, é também colunista do jornal Folha de São Paulo e cronista da Gazeta do Povo, de Curitiba. Publicou, entre outros, os romances Trapo, O fantasma da infância, Aventuras provisórias, Breve espaço entre cor e sombra.

Referência bibliográfica
Tezza, Cristovão, 1952 -
O filho eterno / Cristovão Tezza – Rio de Janeiro: Record, 2010.
222p.
ISBN 978-85-01-07788-2
1. Romance brasileiro - I. Título


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quinta-feira, 31 de março de 2011

Cartas Anônimas – Fernando Vita

A divertidíssima história de uma cidade, que de fictícia só tem o nome, contada por Fernando Vita, registra fatos ocorridos quando o autor, ainda adolescente, ouviu e acompanhou o desenrolar de boatos que serviram para ocupar os desocupados e irritar os que, de alguma forma, cometiam deslizes, deixavam escapar sentimentos amorosos ou preferências sexuais.
Muito pouco do que eu me recorde passou despercebido pelo autor. O texto escrito em linguagem direta, com citações comuns em mesas de bar de províncias a exemplo da que serviu de palco para desenrolar a narrativa, não agride os tímpanos do leitor devido à habilidade do autor em contar os fatos de forma hilária e desprovidos de ofensa.
Cada caso se desenvolve de maneira única e terminam se entrelaçando. As cartas anônimas apresentadas como simples fotografias se transformam, no decorrer do texto, em um engraçado filme.
O romance coloca a belíssima e desejada Boneca no centro de um contexto, fruto do imaginário do autor. Afinal, diz ele tratar-se de uma ficção...
Na cidade desprovida de heróis, citado por Vita, a bem da verdade existiu um, faça-se justiça, o pai de  Chebeu, um dos estafetas citados no texto. O emprego federal concedido a Chebeu nos Correios e Telégrafos se deu ao fato do seu pai ter participado na Segunda Guerra Mundial.
O juiz Efraim, o grão-mestre Clinésio, Nadinho da Jegra, tenente Ludovico, e Teófilo que tinha por profissão ser marido da professora, adornam a história de forma espirituosa. Esse último, ao ser apresentado às pessoas dizia: “– Sinta em suas partes os meus prazeres! Teófilo Amândio, seu criado, marido da professora Dina Gazinha, às suas ordens.” O autor, também, não deixou escapar a Madre Rosário, encarregada do convento que abrigava a jovem, bela e radiante Madre Maria Goretti,  respeitadas obreiras educacionais.

As cartas anônimas chamavam a atenção dos desocupados que amavam comentar sobre a vida alheia. Os conteúdos saíam dos papéis e circulavam de boca em boca acrescidos da imaginação e do azedume de quem os repicavam.

Há que perdoar os habitantes de Todavia (SAJ), afinal, nada se tinha a fazer à época. O gerador que iluminava a cidade era desligado às vinte horas e na calada das noites enluaradas os cantores, tocadores, bêbados, políticos, poetas de meia tigela, desocupados por falta de trabalho e opções de lazer se encontravam nos bancos de jardins, botecos e puteiros - iluminados por candeeiros Aladim - para comentarem sobre vidas de muitos que dormiam e de outros que perdiam o sono por terem seus nomes incluídos em muitas das Cartas Anônimas.

O livro, rico em humor, traz uma linguagem simples a exemplo dos moradores da antiga província. Sem dúvida, é uma leitura divertidíssima para não dizer imperdível! O risco é despertar, nos atuais moradores, a  antiga prática das Cartas Anônimas...

Informações sobre o autor –  Fernando Vita nasceu em 22 de dezembro de 1948, em Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Formou-se em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia. Trabalhou no Jornal da Bahia como repórter, editor e crítico musical. Foi repórter freelance do Jornal do Brasil e das revistas Veja e Istoé/Senhor. Escreveu Tirem a doidinha da sala que vai começar a novela. Recebeu o Prêmio Braskem Cultura e Arte.

Referência bibliográfica
Vita, Fernando
Cartas Anônimas: uma hilariante história de intrigas, paixão e morte / Fernando Vita. – São Paulo. Geração Editorial, 2011.
181p.
ISBN 978-85-61501-60-0
1. Ficção brasileira - I. Título.

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